Cinco poemas de Julia Pantin
Julia Pantin é de São Paulo, nascida em outubro de 1997. Atualmente, cursa economia pela UNICAMP, escreve e fotografa constantemente. Procura da vida o subjetivo, o belo, o singular e o múltiplo.
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Route of Evanescence
Saturno só mostra os anéis àqueles que ousam
Novamente cética. Novamente emocional. Estico asas. Cantorolo com elas.
A garganta não presta mais pra fazer som. É preciso abandonar essa hipótese inicial.
Reorienting themselves in midflight. Você estava falando. E pensando. E abstraindo. A mim me veio nada. E o nada frustra como um tijolo que caísse sobre a cara.
Alguém diz ter visualizado todos os finais possíveis, você viu? Impossível, não consigo nem processar os dados do que você falou, imagine pensar todos os pontos que fogem de uma reta, se é que é uma reta…
A angulação das asas possibilita sorver néctar, e os impulsos são equilibrados assimetricamente com o uso da cauda. Você entende sentimentalmente isso em você agora?
A você foi dada a maquinação do mundo. A mim? Talvez caiba a admiração das folhas que caem, no outono. Ainda que eu tenha que varrê-las depois.
Sonho com asas. Não as tenho. Cantarolar é tão impossível quanto pensar, às vezes. E ainda assim as nuvens passam, e os falcões roubam os ovinhos, e as flores perdem o néctar.
O mundo, amor, não depende deste voar. Meu coração que bate rápido ignora a beleza. Mas há algo na asa que quer voar, que quer colocar-se injustamente.
A route of evanescence.
Meus projetos, nossa comunicação, esse viver. Each rapid movement guess a different dye.
*
Presságio a Hilda Hilst
Quando a terra redescobrir a sexualidade muda,
Enraizados ressentimentos, enlameadas paixão e vulva,
Gostaria de regar meu corpo, meu eu, minha voz
-Com teus olhares mornos, tuas mãos cálidas
E depois, desabrochar os líquidos que vertem, vivos, de nós.
*
Abertura
A tua pele sobre meus dedos, os meus dedos sobre tua boca
O que ainda houvesse por dizer, no momento em que eu parasse de escrever e respirasse apenas o gás vindo de ti
O que ainda houvesse por abrir, quando eu finalmente te olhasse serena e perdida em teu abismo fechado como túmulo
Meus dedos sobre tua boca, tua boca sobre minha pele
Encontros, se ainda houvesse, plácidos e disformes, por acontecer
Existência, se a articulasse em véus diante do coração obtuso, passivo e à descoberto como as flores que brotam de tua saliva sobre minhas palavras mudas.
*
O tempo perdido – uma busca
-Não estamos com tanta pressa. Você serve como se houvesse um incêndio em casa. Espere um pouco para trazer a salada.
Sabe, it’s just a matter of time. A saída emergencial estrategicamente localizada nos cinemas, para uma fuga em instantes, a desorganização do trânsito nas grandes cidades, sempre nos mesmos horários, nessa repetição diária, a falsa medida “anos-luz”, a velocidade (frequência) com que se deve manter o bater de asas para alçar voo, e a capacidade de se distanciar das dores de si, ou das feridas incuráveis…
Eu…
sinto…
que stop!
Sinto que não tenho tempo
De elaborar o que penso, de fazer terem sentido as 25 horas de um dia. Sem tempo, irmão…
Mas eu lembro, você sempre dizia que não obedecia nunca às perturbações da atmosfera, ou às divisões convencionais do tempo.
Acordava no meio da noite. Sem saber se havia transcorrido meia hora, ou meio segundo. Confundindo o tempo do sonho e a hora de bater cartão na firma. O singelo sentimento de existência. Mais desapercebida (eu) que o homem das cavernas. (Você) que tem ideias tão modernas.
“Mas aí a lembrança vinha a mim como um socorro, do alto, para me tirar do nada”. Recompor aos poucos, quando longe dos grupos, os traços originais de meu próprio eu, passando em segundo por cima de séculos, máquina do mundo, enquanto tentava tomar o fôlego e o ar para contar o tempo entre cada trovão…
As conversas têm essa semelhança sempre com as tempestades que nos assustam na infância: quanto mais tempo houver entre um relâmpago e um estrondo (trovão de vozes) mais seguros poderemos nos sentir.
Um missisi -você viu, amiga, o que aconteceu ontem?
U- claroooo, todo mundo já sabe das notícias que viajam assim tão rápido
Um mississipe dois missisipes três mississipes quatro mississipes três mississipes quatro mississipes cinco mississipes oito mississipes nove mississipes dez missi. ..ssi… pés
Eu lembro. Quando conversamos. Era a hora 25. E você disse que só poderíamos contar efetivamente a demora do tempo de Vênus, se usássemos um referencial fora de nos… também a ideia de contar quanto tempo leva pra uma onda do mar repetir-se, também isto dependeria do tempo lá fora…
Acordo e te olho. Atônita. O corpo não quer saber de relógio, nem de compromissos.
Talvez seja hora do chá.
*
Basically Playfull
Você se planta num canto isolado da sala e fica olhando. O mar afundar as próprias ondas. E as ondas se erguerem do mar. Incompletas. Feitas de sal. Como aquele macarrão que foi o jantar algum dia atrás, ontem, anteontem. Nada nutre. O mar é infinito. Mas não porque feito de sal, ou de ondas.
Nessas, horas, as vezes, você é tomada pela culpa. E imagina, silenciosa, aquele pássaro. Não se sabe. Se caiu porque quebrou o bico. Ou quebrou o bico. Daí bateu a asa. Daí caiu. Ou se morreu, voando, como teus instintos, e depois bateu as asas contra a realidade, e caiu então como tua amargura.
Você está irritada. Faz muito tempo que está irritada. Olha as plantas. Suspira. E pensa que algumas raízes mortas seriam mais bonitas se fossem visíveis. Como teu espírito. Que se abre aos outros, fala, respira, tenta gritar, mas quase não tem vida mais.
Depois de explodir você vai olhar os restos. E ficar excitada. Depois confusa. E depois frustrada, lembrando dos gritos que não consegue transportar para beijos. E pensará que o beija flor mente. E foge de si, incapaz de amor.
The existence, the universe is basically playfull. E um dia você se verá transformada numa máquina de disparar sentenças tempestivas.
Como a onda que foge do mar, molhada
A asa expulsa do céu
A terra caída do vaso,
Os beijos perdidos
E o teu eu, que sucumbe às tuas paixões não destinadas.