Um poema de Luiza Camisassa
Luiza Camisassa é engenheira, poeta e artista. Vive, estuda, trabalha, escreve, desenha e passeia de pijama com a Mafalda em Belo Horizonte. É autora do livro de poemas Coração à Larga.
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Vinte e oito de maio
tateio a superfície do edredom, da pele, dos pelos do braço, a queloide da vacina e a pequena saliência do musculo nascido no meu ombro nas últimas semanas. toco no meus lábios rachados, no fundo das olheiras, limpo as remelas e fico pensando se tenho mais sensibilidade no rosto ou nas mãos.
concentro no caminho das pontas dos dedos as vezes geladas pelo meu rosto. todas as vezes fico impressionada com o buraco que existe no crânio para os olhos ou com o formato da arcada dentária.
tento sentir com a pele do rosto minhas digitais mas não consigo. sinto apenas as irregularidades do rosto e algumas feridas e pontas de unhas mal cortadas no início dos dedos.
tento esticar meu braço que se prende aos meus cabelos recém amanhecidos. desisto das duas coisas
esticar o braço
desfazer os nós
o início esta guardado nas mãos talvez
na ponta dos dedos
*
penso nas crinas dos cavalos a galope na beira do mar. as veias saltadas nas canelas e na parte do focinho que se aproxima dos olhos. não consigo me lembrar da geografia das narinas dos cavalos, não sei se elas se abrem para os lados quando eles respiram forte. crinas desembaraçadas de quem não teme o mar ou a morte.
quem respira por mim? porque sou forte como um cavalo novo com fogo nas patas correndo em direção ao mar.
correndo em direção ao mar!
*
enrolo meus cabelos e todos os seus nós bem no topo da cabeça e penso que quando eu morrer meus cabelos e ossos vão ficar pesando sozinhos com alguma terra sobre meus restos.
só um restinho.
examino meu corpo no espelho e todas as suas formas matinais possíveis. ainda tenho vestígios de remelas nos cantos dos olhos e as veias do cavalo que vive em mim
saltadas
todas as vezes que me olho no espelho penso em ter uma espátula ou unhas fortes e apontadas como se fosse possível ir raspando as camadas para chegar ao fundo.
a leíner disse que às vezes é preciso andar sobre quatro patas.
isso de fazer a raspagem talvez seja o início
do galope.
*
a solidez dos olhos
distribuindo touros
esses animais
olhos
suscitando o caos
*
há qualquer coisa
que corta o teto da pele
poderia ser um chifre
mas não se vê
as entranhas
sim
isso se vê
*
o que me atravessa
tem medo da terra
e não quebra
*
por vezes sangro
deve existir um nome para isso de fazer a pele
*
não chove há dias e é cedo. só os humanos perdem tempo. quem vê meus touros ruminantes ou meus cavalos a galope
a constância das veias saltadas que não são minhas
as minhas narinas se abrem quando respiro forte
Themis guerra costa
Excelente trabalho, principalmente por darem oportunidades aos iniciantes novos artistas e de muito boa qualidade. Parabéns e sucesso garantido ao publicarem trabalhos plenos de sensibilidade.
Camila
De extrema sensibilidade!