Cinco poemas de Paula Valéria Andrade
Paula Valéria Andrade é poeta, escritora, artista visual, diretora de arte e professora universitária em cinema. Recebeu prêmios em Portugal, Itália, EUA, Alemanha e no Brasil: Jabuti, UBE e APCA. Em 2016, ganhou “Menção Honrosa” de poesia na FALARJ. Idealizadora e curadora do Sarau “O Feminino Infinito” em São Paulo, com 120 mulheres poetas, em 2 anos. Tem mais de 20 livros publicados entre: infantis, poesias, didáticos, antologias, contos e livros de arte. Amores, Líquidos e Cenas (editora Laranja Original) é seu livro de poesia de 2018; e A Pandemia da Invisibilidade do Ser (Editora Algaroba) é seu livro de poesia de 2019, lançado na Flip, em Paraty e em São Paulo, no Cabaret Cecília.
Blog – http://paulagruber.blogspot.com.br/
You Tube – https://www.youtube.com/user/PaulaValeriaAndrade/featured?view_as=subscriber
FB autora – https://www.facebook.com/paulavaleriaauthor/
Instagram – https://www.instagram.com/paulavaleriandrade/
Feminino Infinito – https://www.facebook.com/femininoinfinito/
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Wardrobe – Guarda-Roupas – Kleiderschrank
Pendurei velhos fantasmas,
no armário.
Tranquei as portas,
apesar da existência
das frestas.
Pendurei as roupas
dos personagens
que não mais represento,
ou que habitam
distantes paisagens sonoras.
Pendurei o passado e os recados.
Pendurei nos cabides
a máscara,
joelheiras,
chuteiras,
e a toalha.
Tirei as correntes.
Desabotoei os dentes.
Cortei as cordas.
Reanimei os sentidos. Acalmei os
ouvidos. Olhei através do vidro.
Voltei a ser gente,
caminhando leve
e livre e solta, de repente
*
Sociedade do cansaço
Se há um só tempo
do acontecimento
tudo a um só tempo
Se tudo é o tal do acontecimento
nada de fato
em si
acontece
Tudo efêmero
espasmo fugaz
de segundos
Gritos fúrias ecos
ecoam distantes
E vem outro
com gritos e fúrias
E um segundo adiante
já não será
o que era antes.
Logo, não se sabe pelo que se grita e pelo que se
enfurece, mas imperativo é seguir gritando e se
enfurecendo.
Sem perguntas. Certas ou tontas.
Cansados e temerosos de tudo, de todos e dos
poderosos.
Seguimos zumbis andantes e náufragos flutuantes e
nos auto presenteamos com mais bugigangas
digitais – a mais – e sempre demais.
Pensamento ausente relocado no reflexo
imperativo de preencher vazios, com palavras.
Nadas imediatos continuam sendo nadas. Ou coisa
pior. Ocas coisas soltas ocas.
Quando tudo é urgência nada é urgência.
Nada se faz mais emergência
O vazio faz cena e teatro, da tal clemência.
Sendo um tal presságio, da demência.
Sociedade do cansaço
em estado de emergência
Amalgamados de sofrer
e tanto querer
querer querer querer
Alagados no reclamar
sem saber como parar
Repetições de ineficiências
síndromes de ausências
profusão de totens de aparências
espasmos ao respirar
Aonde mesmo, foi parar o luar?
Lua lua lua que vagueia com sua luz cheia
Na noite e no vazio escuro que nos permeia e
incendeia.
Título: termo inspirado no livro sociedade do cansaço. Do autor e filósofo: Byung-chul han.
*
a vida muda
a vida muda.
a vida vira.
a vida gira.
a vida gira e muda e embrulha tudo o que você já plantou.
a vida muda.
muda e renasce semente do que você um dia já regou.
a vida muda, calada,
brota semente do que se plantou.
a vida surda, amolada
do que nunca se falou.
a vida muda os planos do que você já traçou.
a vida traça o papel dos planos que você planejou.
a vida planeja os planos do que a traça te levou.
o plano mudou de plano, ou se mudou.
ou quem sabe, se embolorou.
a vida – essa entidade rica – tira o que dela sobrou,
ou o que dela, se retira.
sátira que satiriza?
se atira no olho do riso e do foco,
na mira do mapa da mina.
a vida vira,
e trata de curar velhas feridas.
cicatriza mordidas.
mobilidade – involuntária – que agoniza !?
profundidade que se realiza.
e a vida?
a vida,
tal qual menina rebelde solta saia em asa na avenida,
voou !!!
*Poema premiado com Menção Honrosa 2016 na FALARJ (Federação das Academias de Letras e Artes do Rio de Janeiro)
*
Poema barato
Perdi a doçura
a paciência
perdi a decência
a incumbência
duvidei da ciência
delirei na demência
de buscar o que
não tem endereço
nem adereço
de convencer alguém
a sucumbir o tal do quem
desvendar o tal do além
correr pra ficar aquém
e nada disso dissolve
como um alka seizer
um remédio qualquer
de acabar com o tédio
acabar com o silêncio no prédio
e tanto faz ou não correr atrás
o delírio me invade por todos os poros
por eu acreditar em verdades
mas elas não existem não existem jamais
são versões sempre reatualizadas
caleidoscópios de espelhos recontados
das sombras projetadas e monstros
que sobem dos esgotos das calçadas
e fujo dessa gosma amalgamada
e das meias verdades lavadas
costuras enviesadas
cada um conta a sua verdade
sua versão da realidade
mas o que transborda da flor despetalada
é a vontade de botar o pé na estrada
e cantar uma canção inventada ao costurar
uma palavra ao sopro do vento.
E no olho do caos, buscar alento no que
desenha o encantamento.
Dilema de renascimento.
*
A era do desencanto
Valores varridos e jogados tal pó ao vento
pouco interessa,
A hora do tempo
No tecido social as camadas entrelaçam
e sobrepõem
Pouco interessa qual
hora do tempo
Ancoradas em dimensões práticas do saber e das
noções
Pouco ingressa a hora do tempo
Status entre as nações
pouco ingressa o pensamento
A imaginação é muito mais fascinante que a
realidade
Tanto faz a hora do tempo
O onírico transcende em ludicidade
Tanto faz e a qualquer momento
As ideias são bem mais interessantes
Produzem movimento na realidade
Tanto faz o tempo e a saudade
Costuram a teoria toda
na linha da bainha dobrada da tal praticidade
Produzem movimento e provocam modificação
radical no tempo
rolam, produzem e geram movimento modificando
o teto do tempo
O desencanto desenrola o rolamento do real em
modo de mudança no tecido da contagem do tal do
tempo
Derrama imaginação às hélices do moinho de vento
esmaga o contentamento
il próprio gusto del tempo
nel loro pensiero (*)
(*) a próprio gosto do tempo
em seu pensamento.