Cinco poemas de Pedro Augusto Pinto
Pedro Augusto Pinto é paulista, e trabalha como tradutor e pesquisador da literatura russa. Traduziu textos de Tchékhov, de Gógol e sobretudo de Liérmontov, poeta romântico em cuja obra se especializa, e cujos maiores poemas traduziu ao português pela primeira vez (alguns foram publicados pelo Jornal Rascunho), recebendo menção honrosa pelo seu trabalho em alguns eventos acadêmicos. Em 2018, publicou pela editora 7 Letras seu primeiro livro de poemas, Um bicho de circo.
Todos os poemas abaixo são do livro Um bicho de circo.
***
Soledad
Hay días que no sé lo que me pasa
——–nesse país, que me engana
——–com meus 25 anos
——–de paisagem americana.
Meu coração vagabundo
quer guardar o mundo
——–e eu não basto.
Há dias em que tudo se esfumaça
———————–eu fico:
—————-veni, vidi, sed perdidi
A vida é a arte do encontro, embora
——–sempre em péssima hora.
No sul o céu é mais perto
——–ou já foi?
——————————–Ai, meu coração nativo
——————————–Ai, sofrer, sem ter motivo
*
Dilema
É tanto céu, é tanto mar,
é tanta coisa e tão pouco tempo
(na terra, há guerras
——–golpes e engarrafamentos).
Impossível um só coração suportar
la soledad de Sudamérica, que bate
forte, qual polícia militar.
*
Digressões
I
Ando meio angustiado:
não sei se é muita bebida
se é pouca comida
ou se é simplesmente a vida
com seus pássaros na mão
e seu futuro voando…
Sei que o que vale é dinheiro no banco.
Mas o hábito de sofrer ainda me diverte
e está tudo bem
—————comigo
ao menos, infelizmente.
Já não sei das notícias
confesso, não li.
Mas às vezes leio olhares
e outras cosias que me espantam
e esse povo assim normal
futebol, telejornal
hora a hora, dia a dia
margarina açúcar sal
silêncio. Um momento.
Uma esperança. Poesia
às vezes, sempre um lamento.
É a dor dos outros, entendo.
Mas dor também contagia.
II
Não sei se é o caso de jogar
toda a esperança pela janela
apostar fortunas, fundar seitas
empreender grandes viagens…
As mãos estão podres, não restam mais dúvidas
mas mesmo alguns fungos
servem de adubo
e são por si mesmos
um modo de ser
(ainda que seja
distinto do nosso)
III
Mas como juntar palavras
na tarde que desaba
se as torneiras pingam sílabas
e não trazem nada, além
de ar e si mesmas, silêncio, fórmulas
batidas em gritos e brindes
comentários para si
sob a vista de terceiros
de quartos quintos de sextos
um teatro de mil palcos
e um assento só, vazio?
*
Na vida, tem sempre
A Luíza Heyden Zerbinatti
Na vida, tem sempre
lugares mais certos
que o certo lugar
aonde se está.
E um tempo mais mais fundo,
que nunca se perde
e noites e tardes,
que virão cedo
e um grande segredo
pra gente espalhar.
Na vida, tem sempre
futuro mais perto
do que logo ali,
até mais,
até já.
Às vezes, mais perto, é o que mais longe está
e a maior das andanças
é, no fundo, a distância
entre os pés, e a dança
entre os olhos, e um olhar.
*
Paisagem Nº II
O som da tarde, que passa
enche de pressa os meus olhos
e o sol, da janela, me grita:
——————————–aonde
vais
——–com o tempo atrás
e na frente
—————-a eternidade e somente?
Ai, janelas, que nem são do meu quarto
mas são da pomba, da insônia, da construção,
e desses fios, que emaranham máquinas, e tantas vidas.