Cinco poemas de Prisca Agustoni
Prisca Agustoni nasceu na Suíça, onde viveu até 2004. Desde então mora no Brasil, em Juiz de Fora, onde trabalha como professora universitária. É poeta, tradutora e autora de livros infantojuvenis. Sua obra se desenvolve em italiano, francês e português, tendo publicado livros tanto no Brasil quando na Itália, Suíça, Portugal e França.
Em 2017 publicou pela Patuá o livro de poesia e poesia em prosa Animal Extremo, e pela editora Macondo seu livro Casa dos ossos, que foi selecionado para um projeto experimental de Dança Contemporânea com as bailarinas Aline Rodrigues e Letícia Nabuco, em Minas. Está no prelo a segunda edição (ampliada) do Casa dos ossos, pela Macondo. Atualmente Prisca se dedica à escrita do seu primeiro romance escrito em português.
Todos os poemas abaixo são do livro A morsa (Juiz de Fora, Sans Chapeau, 2010).
***
Uma pequena luva de lã
jaz na beira da rua.
Essa nova presença
é uma intrusão
no dia recém-nascido
e provoca pavor
pela mão órfã
nesse pérfido inverno
que não se aplaca.
*
Pesadelo
Fique atento
você que ocupará
o passado:
evite de todo modo
as rasuras.
Porque há alguém
de malas vazias
pendurado no teto
e que, às vezes,
desce com a noite.
*
Traição
Elenco meus delitos:
mão sem unhas,
uma longa corda
te perseguindo.
Acreditas
que um álibi convença
teus demônios
a não domesticar
o corpo?
Talvez,
ou talvez
me oferecerás
essas asas turvas
e intermitentes.
—
Uso uma língua
de respiração incerta,
pois não percorre
nem a medula
nem a torção
do verbo
: já não sabe amputar os rostos
ainda vivos nos retratos
e deserta em mim a voz
*
Se, como você diz,
ninguém é mais flor do que eu,
por que minhas pétalas
são sílabas
que se tornam palavras
úlceras entre as mãos
ao invés de imitar
o suave abrir-se
de uma rosa?
*
Curta
A indiana
envolta no tule
passou por mim
e me sorriu.
Porque eu também
sou de outro lugar
e estou relativamente bem
nesta cidade
de ninguém.