Cinco poemas de Renato Negrão
Renato Negrão, BH/MG é poeta e compositor, artista visual e arte educador. Ministra cursos de criação literária e produz trabalhos em que investiga as relações entre palavra e imagem, valendo-se de aspectos da comunicação poética e estratégias da arte contemporânea como legado pedagógico para a educação, recebendo por este trabalho o prêmio Itaú Rumos educação, cultura e arte 2008/2010. Publicou sete livros de poemas, dentre eles, Odisséia Vácuo, 2017, A lo Mejor, 2014, este lançado somente na Argentina e Vicente Viciado, 2012. Como artista performador, participou dos Festivais Internacionais de Arte Digital, de Arte Negra e da MIP –Manifestação Internacional de Performance, dentre outros. Possui gravações e parcerias musicais com compositores da cena brasileira contemporânea, dentre eles: Alice Ruiz, Estrela Leminski, Makely Ka, Sérgio Pererê, Kristoff Silva, Juliana Perdigão. Em 2014, participou da curadoria coletiva, com Maria Esther Maciel, Fabiola Farias e Dagmar Braga, do Circuito Literário Praça da Liberdade e em 2019, e assinou, com Izadora Fernandes, a curadoria do Ciclo de Literatura Contemporânea, edição Belo Horizonte. Integra a Retendre la corde vocale: Anthologie de la poésie brésilienne vivante, organizado por Patrick Quillier, publicado na França.
Os dois primeiros poemas abaixo são do livro hidrante (2015), o terceiro integra o livro vicente viciado (2012) e os quarto e quinto são inéditos.
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o arco
descrito
este traço
da medula
ao mito
risca
um movimento sutil
dançar que só
entre escombros
e trapézios
se percebe
*
não se
enxerga
só se
*
programa
nosso amor é metaesquema
nosso amor é bólide
nosso amor é tropicália
nosso amor é a arquitetura da favela
nosso amor é cosmo-coca
nosso amor é suprasensorial
nosso amor é navilouca
nosso amor é parangolé
nosso amor é núcleo
nosso amor é subterrânia
nosso amor é delírio ambulatório
nosso amor é relevo espacial bilateral
nosso amor é programa
nosso amor é experimental
nosso amor é penetrável
nosso amor é nova objetividade
*
x tudo
o novo contexto gera
o novo conteúdo
sou um contato herdeiro
futuro ancestral
instado a gerenciar um perfil transformado em
memorial no facebook
inventário é o processo que sucede a morte
no qual se apuram bens direitos dívidas do falecido mas
o que acontece quando este só deixou dívidas
o herdeiro deve assumi-las?
posso ir a um cartório para renunciar a herança
me proteger contra eventuais cobranças
dívidas resíduo resto recursos legado transmissão?
é consenso entre poetas e leitores
que a ficção futuro ancestral deva conter
uma extrapolação cuidadosa e
bem informada de fatos princípios tendências
mesmo que o que se apresenta nos enredos
seja ainda que improvável irreal ou não exista?
o que é imortal
não morre no final?
x tudo
*
diaspórico
de estar em um outro lugar lendo minhas próprias pegadas num chão inventariado que já inventa a construção de outro no passo da invenção de mim mesmo na aurora de um e no princípio de outra ou na origem que em mim principia aquele outro da infância de um outre que começa em mim da alvorada dele que instala meu sopro que te rejuvenesce na antemanhã da pálpebra no advento de uma novidade na primavera do ovo em que surge algum eu que te olha da fonte e me germine algo que te motiva a semente que ao me brotar da raiz te coloque no berço que brilha da fresta em que se enceta um sol e rejuvenesça um no outro o que envelhece em nós e inaugure uma nova intuição que
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(Fotografia de Ronald Jesus [detalhe])