Copa do Mundo de Filmes: “Um Homem de Sorte” (Dinamarca) – Por Aline Wendpap
Um Homem de Sorte. Direção. Bille August. País de Origem: Dinamarca, 2018.
Após escrever sobre O Jeremias, produção mexicana sobre a qual decidi me deter para o desafio da Copa do Mundo de filmes, proposto pelo editor Wuldson Marcelo para a revista Ruído Manifesto, falo no presente texto sobre Um homem de sorte, após uma pesquisa por: filmes dinamarqueses, na Netflix, na qual descobri que o filme que havia visto recentemente chamado Toscana (Mehdi Avaz, 2022) é uma produção ítalo-dinamarquesa, porém, por se passar quase prioritariamente na Itália achei mais apropriado continuar minha busca…
Em paralelo à pesquisa de filmes no referido canal de streaming busquei mais informações sobre a Dinamarca, lugar sobre o qual não tinham muitas referências. Descobri que o mesmo é tido como o país mais feliz do mundo. Veja abaixo trecho extraído da Wikipédia.
A Dinamarca, com uma economia mista capitalista e um estado de bem-estar social, possui o mais alto nível de igualdade de riqueza do mundo, sendo considerado em 2011, o país com menor índice de desigualdade social do mundo. A Dinamarca tem o melhor clima de negócios no mundo, segundo a revista estadunidense Forbes. De 2006 a 2008, pesquisas classificaram a Dinamarca como “o lugar mais feliz do mundo”, com base em seu princípio de saúde, bem-estar, assistência social e educação universal; O Índice Global da Paz de 2009 classificou a Dinamarca como o segundo país mais pacífico do mundo, depois da Nova Zelândia. A Dinamarca também foi classificada como o país menos corrupto do mundo em 2008, pelo Índice de Percepção de Corrupção, compartilhando o primeiro lugar com a Suécia e a Nova Zelândia.
Uma matéria publicada no site da abc NEWS[1], interroga sobre como “um lugar onde os estoicos habitantes locais usam sapatos sensatos e comem sanduíches de arenque (…) poderiam realmente ser as pessoas mais felizes do mundo?”, mas a mesma reportagem apresenta depoimentos de dinamarqueses, que realmente confirmam os dados obtidos ao longo de anos pelas pesquisas realizadas.
Entretanto, apesar de eu não ser uma exímia conhecedora do cinema dinamarquês (já é difícil ter um pouco de ciência sobre o cinema mato-grossense, dirá me aventurar por caminhos tão longínquos), os filmes com os quais me deparei para este texto – Toscana e Um homem de sorte – tem em comum protagonistas muito contrários a essa propalada felicidade dinamarquesa. São homens individualistas e que mantém relações bastante problemáticas com seus pais, além de sisudos e ranzinzas. Em Toscana, o famoso Chef de Theo Dahl, interpretado por Anders Matthesen, guarda muitos ressentimentos de seu pai e se choca ao conhecer um outro lado, alegre e vivaz, da personalidade de seu progenitor na Itália. Enquanto Theo Dahl luta apenas com a memória de seu pai, o Peter Sidenius de Esben Smed, em Um homem de sorte confronta diretamente o seu, que é um renomado líder religioso da região da Jutlândia (grande península dinamarquesa), na cena mais forte do filme, em que os dois se atritam, bem no início do filme.
Adentrando o universo deste longa dinamarquês, do ano de 2018, nos deparamos com a história do ambicioso jovem Peter Sidenius, oriundo de uma devota família cristã da Dinamarca Ocidental, que no fim do século XIX, viaja para a capital, Copenhague, para estudar engenharia, rebelando-se contra o pai clérigo.
Com traços autobiográficos, a trama foi baseada no romance Lykke-Per (1898-1904) do escritor dinamarquês Henrik Pontoppidan, vencedor do Nobel de Literatura. E, trata de antigos dramas humanos. Peter se envolve com uma família judia rica e intelectual, caindo nas graças primeiro da filha mais nova e em seguida seduzindo a filha mais velha, Jakobe. Posteriormente passa a chamar a si próprio de Per, e desenvolve um projeto de engenharia de grande escala, visando a construção de uma série de canais em sua terra natal, para tanto, é necessário buscar recursos para consumar seu sonho.
Um Homem de Sorte traz um protagonista muitas vezes mesquinho e egoísta. O sentimento mais verdadeiro parece ser por sua mãe, que é quem lhe apoia desde o início, mas ainda assim não se comove com seus pedidos para olhar para a família de origem.
Aliás, pegando o gancho sobre a mãe é preciso salientar que os personagens femininos são muito bem interpretados, todavia, é uma pena que não tenham muito espaço e nem ganhem grande espaço na trama. Além da mãe, aparece a garçonete que rapidamente é deixada completamente de lado, pelos interesses de Per. Depois vemos a filha mais nova da família judia e em seguida a personagem Jakobe criada por Katrine Greis-Rosenthal é muito interessante e possui camadas, que aprofundam o trabalho. Uma pena ela não ganhar mais evidência.
Porque a atenção e foco de Per se voltam apenas e exclusivamente para seus planos de engenharia e de se tornar uma pessoa de referência, já que no século XIX, os prodigiosos empreendimentos ingleses representavam a hegemonia desta nação. Uma vez com o auxílio das ciências aplicadas, a economia poderia se desenvolver, e o país poderia enfim ser aceito no rol das potências europeias.
A fotografia de Dirk Brüel é belíssima e muito bem trabalhada, pois jogos de contraluz e efeitos como na foto acima são sempre aparentes. O clima de época recriado pela direção de arte é fielmente bem executado e o desenho de som também colabora para a ambientação. A direção assinada por Bille August é que por vezes dá uma decaída e pelo meio do filme o interesse vai se esvaindo. Há acontecimentos na trama que nos convocam de volta, mas ainda assim não é nada espetacular.
Vale a pena pelo mergulho histórico e também para uma análise psicológica do personagem que representa talvez uma época da história, não apenas da Dinamarca, mas de todo o mundo.
Nota
[1] https://abcnews.go.com/2020/story?id=4086092&page=1
Onde assistir: Netflix.
* Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).