Copa do Mundo – “Isto É Inglaterra” (Inglaterra) – Por Janete Manacá
Isto É Inglaterra. Direção: Shane Meadows. País de origem: Reino Unido, 2006.
Fragmentos de imagens. Multidão, subúrbio, confronto, violência, eventos sociais da realeza, gangs, patriotismo, tropa de guerra, explosões, militares, dama de ferro, manchete política, morte, tragédia… Todas ao som de 54-46 That’s My Number, da original banda de reggae, Toots & the Maytals composta por integrantes jamaicanos. Essas imagens nos oferecem justamente o cenário pelo qual passa o país e é retratado em Isto É Inglaterra (This Is England).
Julho de 1983, o garoto Shaun (Thomas Turgoose) se levanta para ir à escola. Com apenas 12 anos, é órfão de pai, que morreu na Guerra das Malvinas. A sua forma simples de se vestir causa-lhe alguns contratempos, inclusive na escola, onde o bullying exerce o seu poder com maior intensidade.
Solitário e rebelde, praticamente excluído socialmente, é junto a um grupo de Skinheads, tendo como líder Wood (Joseph Gilgun), que Shaun será acolhido. Agora, feliz, como membro do grupo, o garoto estabelece laços afetivos e passa a fazer parte da rotina dos integrantes, como caçar, beber, ouvir reggae e se relacionar com garotas. Mas, para tanto, ele passa pelo ritual de raspagem do cabelo, uso de coturnos e suspensórios.
Combo (Stephen Graham), antigo componente do grupo, que estava preso, retorna com novas ideias e deixa claro o seu descontentamento diante da crise que atravessa o país. Sob a sua perspectiva, a culpa do desemprego é dos imigrantes negros, indianos e outros. Seu discurso é enfático e radical, ao afirmar que existem 3,5 milhões de desempregados porque os imigrantes ficaram com a mão de obra barata e fácil, tirando assim a oportunidade dos ingleses. Diante de sua indignação, nem a primeira ministra, Margaret Thatcher (1979 e 1990), também conhecida como “Dama de Ferro”, pelo seu conservadorismo, foi poupada. “Essa Thatcher fica sentada na torre de marfim e nos manda para uma merda de uma guerra mentirosa”, referindo-se à Guerra das Malvinas.
Com a volta de Combo, o grupo se divide em dois. O liderado por Wood e o outro por Combo, que Shaun passa a integrar. Além da aversão aos estrangeiros, este último é transgressor, baderneiro; persegue e assalta estabelecimentos, cujos proprietários são imigrantes, não sem usar de violência, física e/ou psicológica. Shaun, num primeiro momento, talvez pelo fato de ser criança, diverte-se, uma vez que tem no líder os cuidados de um pai. Mas não se deve perder de vista que o cenário vivenciado é, sem dúvida, característico de uma situação política, econômica e social, pós-guerra.
Em meio à infelicidade amorosa e o estado de consciência alterada, pelo uso de droga, Combo que também é remanescente do Skinheads tradicional da subcultura de 1969, tem um surto de violência e preconceito. Agride os companheiros e quase tira a vida de Milky (Andrew Shim), um jamaicano integrante do seu próprio bando.
Após o ocorrido, assustado, o garoto volta ao lar. De posse da bandeira da Inglaterra (uma cruz vermelha sobre um fundo branco retangular simbolizando São Jorge, padroeiro da Inglaterra), presente de Combo que o instruiu que a mesma deve ser tratada com orgulho, ele atira-a sobre o mar e o mar a leva sem deixar vestígios. Por certo, junto a este símbolo patriótico, o mar leva também as memórias doloridas da sua infância.
O filme é realista e a narrativa é envolvente ao expor questões sobre comportamento, amor, cultura skinheads, bem como as suas influências musicais e o cenário político da Inglaterra, referente ao período abordado. As locações são pertinentes, a trilha sonora complementa, assim como, os enquadramentos. Mas é o olhar cuidadoso do diretor que oferece uma junção perfeita à evolução da linguagem cinematográfica. Não é sem razão que Isto É Inglaterra foi aclamado um dos melhores filmes de 2006 por críticos do mundo inteiro.
*Janete Manacá nasceu no povoado rural de São Martinho, norte do Paraná. Há 36 anos, construiu o ninho e regou seus sonhos na calorosa cidade de Cuiabá. É Bacharel em Serviço Social, Comunicação Social e Filosofia, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). No percurso dessa existência é aprendiz na arte de tecer palavras, com elas, compõe versos que a sustentam na travessia do caos. Participou da coletânea SETE – feminino de luas e mares com 30 mulheres brasileiras, e recentemente lançou os livros Deusas aladas, A última valsa e Quando a vida renasce do caos.