Copa do Mundo – “Preludio a Una Casa Derribada” (Colômbia) – Por Wuldson Marcelo
Preludio a Una Casa Derribada. Direção: Carlos Godoy Acosta. País de Origem: Colômbia, 2015.
A imagem de Isabel (Luisa Leal) abre o curta-metragem de Carlos Godoy Acosta, eleito pelo público como o melhor filme da 3ª edição do Unal Fest 2015 (da Escuela de Cine y Televisión de la Universidad Nacional, em Bogotá). A mulher observa à noite da cidade. Bogotá brilha, as luzes iluminam fortemente as ruas. O semblante de Isabel é de uma tristeza contemplativa, há uma dor ali.
O passado invade Preludio a Una Casa Derribada. Isabel conversa com a mãe, Martha (Martha Leal). O diálogo é tenso. A jovem contesta a outra firmemente. A comemoração de 25 anos de casamento dos pais se aproxima. Uma grande festa está planejada. Isabel não enxerga motivos para festejar.
A família reside em uma casa que Miguel (Buster Rojas) obriga a todos ajudar na reforma. Uma residência herdada, mantida pelos homens da família. Miguel ensina o filho caçula, Simon (Juan Esteban Mores), a importância de cuidar da propriedade com as próprias mãos.
É uma casa que já não suporta o machismo, o autoritarismo, as interdições, as vozes que se calam… que são caladas. Os conflitos, tanto tempo sufocados, estão a ponto de eclodirem, é uma questão de tempo. As rachaduras na casa, inúmeras e perigosas, simbolizam o patriarcado em ruínas, dos homens e do seu “poder legítimo” na casa.
Isabel tem sonhos recorrentes em que se insurge violentamente contra o estado de coisas, agredindo o pai, manifestando seu descontentamento. Na realidade, o seu enfrentamento é agudo no discurso, porém contemporizado por Martha, que deseja comemorar os 25 anos de união conjugal, fingindo uma harmonia familiar inexistente, talvez nunca tenha existido. Também na realidade, o gesto último do patriarcado à contestação é a violência. A imposição pela força física, por um “poder legítimo”. Pelo bem da família?!
Reparar uma casa, reparar uma família… Algo tão presente, mas tão arcaico, a exigência de Miguel como fonte de sabedoria e comandante absoluto do destino de seus familiares. E a festa de 25 anos surge como modo de provar o seu direito à herança. Isabel interroga Miguel, “E a minha mãe?”. Parece não importar. Os danos na casa refletem a crise latino-americana: o que há de natural no silenciamento? Em sustentar uma suposta autoridade que se arroga herdada?
O roteiro de Acosta apresenta uma Martha que tenta ser a mediadora dos conflitos que não podem ser mais ser escondidos, negociados. A festa de casamento, para ela, é uma oportunidade de reaproximar a todos, porém os estragos são profundos, as feridas sangram. O menino Simon está a ser trabalhado para seguir os passos do pai, o de chefe de família, seguro em suas decisões, a “mão de ferro” da verdade. No entanto, é dele um gesto secreto e consistente de libertação: livrar-se das cinzas do avô. Uma ruptura?!
Já entre Isabel e Miguel, a tensão é gritante. Ela acusa e resiste, ele arbitra e pune. Mas Isabel sabe que a casa representa um ideal de poder diante de todos, e a festa de casamento, em uma casa em reforma, a demonstração dessa capacidade. A família é um meio, não o fim. Ela tem consciência que, na decadência, a salvação é assumir a verdade. Na impossibilidade de comunicação, a casa, em ruínas, desaba.
Isabel e as luzes de Bogotá. A própria família. Marido trabalhando em seu notebook, a filha dorme no sofá. A câmera passeia pela sala. A foto do avô, a urna com suas cinzas, plantas, brinquedos no chão… O passado ainda está ali. Mas há futuro. Enfim, a harmonia?!