Copa do Mundo – “The Last Farm” (Islândia) – Por Wuldson Marcelo
The Last Farm. Direção: Rúnar Rúnarsson. País de Origem: Islândia, 2004.
O isolamento geográfico e a distância sentimental que o tempo parece ter construído entre o protagonista idoso e quem está fora da fazenda contribuem para assinalar um verniz melancólico devastador a The Last Farm, curta-metragem, de aproximadamente 17 minutos, que recebeu uma indicação ao Oscar 2006, e que, além desta distinção, foi escolhido no Edda Awards, principal prêmio do cinema islandês, como o melhor filme de curta duração de 2004.
Hrafn (Jón Sigurbjörnsson) é proprietário de uma fazenda à beira-mar. Nesse local remoto da Islândia, vemos o velho fazendeiro se dedicar a afazeres que exigem demasiado fisicamente dele. O telefonema de sua filha, Lilja (Ólafía Hrönn Jónsdóttir), informa-nos que Hrafn está de mudança para um lar de idosos e que ela está indo buscá-lo. Ele pede que a filha espere que o final de semana se encerre. Quando Lilja pergunta da mãe, Gróa (Kristjana Vagnsdottir), o velho diz que ela está descansando, algo que também repete para o carteiro, único visitante a aparecer nas terras do agricultor. O inverno é rigoroso, o esforço de Hrafn nas tarefas dão impressão que está no limite de sua saúde, a exaustão dele comove.
O que descobrimos logo é que Gróa está morta. A solidão, presença constante desde o início do curta, acentua-se. O curta-metragem ganha contornos bergminianos. A memória se afirma não em flashbacks, lembranças de uma vida perfeita, mas nas expressões e gestos de Hrafn, que constroem os sentimentos de amor, dor e pertencimento à terra. É naquele lugar nos confins da Islândia que está o coração de Hrafn.
Rúnar Rúnarsson obtém de Jón Sigurbjörnsson a medida exata de alguém que guarda um segredo (diante do carteiro mantém a rotina da fazenda), que tem um amor incondicional pelo seu habitat e pela sua vivência e é esmagado pela solidão. Rúnarsson tem em Sigurbjörnsson um intérprete inspirado para sua encenação de canto do cisne, de um último ato – de certo, sombrio, como o filme é em tom e iluminação – que condensa e integra sua recusa ao abandono do lar e do amor. Quase sem diálogos, o curta-metragem se molda pelo silêncio, aí contando com e exigindo de Sigurbjörnsson a profundidade de quem esconde uma tragédia e um plano para manter um vínculo com a vida que constituiu. A tristeza em seu olhar, a solidão que o consome e o ritual de cuidar da fazenda, que se confunde com as providências que toma para efetivação o seu projeto, apresentam praticamente tudo a saber sobre um homem que tem dificuldade para expressar suas emoções, mas teve paixões marcantes na vida.
The Last Farm é um filme que traduz um sentimento amoroso e ao mesmo tempo expõe um gesto de recusa, de quem aspira (sabe que tem o direito) decidir sobre a própria existência.
Um curta-metragem que apresenta suas sombras, mas com simplicidade questiona quem legisla sobre a vida e a morte, além de ser um retrato comovente da velhice.