Dois contos de Ulisses Belleigoli
Ulisses Belleigoli é um apaixonado por contar histórias. Desde criança, brinca de inventá-las em sua cabeça. De vez em quando, algumas delas escapam e acabam virando livros e, por isso, ele é chamado de escritor. Publicou dois livros de contos Homo Sapiens Erectus (Funalfa, 2016) e Trilogia da Miséria (La petite ferme, 2017), três romances [sem título] (Funalfa, 2006),
Dom (Funalfa, 2010), Soberano (Funalfa, 2015) e cinco livros de literatura infantil. É também piscanalista e professor, mas, mesmo aos 36 anos, ainda não desistiu da ideia de ser bailarino. https://livrosdoulisses.minestore.com.br
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NOME
Quando entrei em meu quarto, meu filho de 6 anos tinha tirado todo o uniforme da escola e se olhava no espelho.
— O que é isso, meu filho?
— Eu estou pensando em um bom lugar para escrever meu nome.
— Como assim?
— Eu acho muito estranho não ter meu nome escrito em mim…
— Mas você conhece alguém que tenha?
— Não. Gente, não. Mas carro tem, prédio tem, roupa tem, brinquedo tem, remédio tem. Até algumas comidas têm.
— É verdade.
— E se eu esquecer quem eu sou, se eu ficar igual gente que perde a memória? Como é que vão saber quem eu sou?
— É. Acho que você tem razão. Melhor escrever seu nome em você…
— Onde você acha que é um bom lugar?
— Perto do umbigo.
— Por que “perto do umbigo”?
— Porque fica escondido, mas a gente pode ver na hora que quiser.
— Gostei. Então escreve aqui pra mim, com a canetinha azul escura.
Eu escrevi, circunscrevendo seu umbigo na letra “o”, com acento.
— Ficou invertido! Olha, mãe! No espelho! Ficou ao contrário!
— Eu sei, meu filho.
— Agora se eu me perder não tem problema! É só olhar na minha barriga e ver quem eu sou!
— É verdade.
Ele colocou o uniforme novamente, satisfeito.
Enquanto almoçava e durante o percurso até o colégio, não parou de levantar a camisa para reconhecer as letras que formavam seu nome, agora de cima para baixo. Nos dias que se seguiram, após o banho, ele pedia que eu reforçasse o escrito.
Não adiantou.
Meu filho logo afrouxou a vigilância com o nome e parou de conferir o que trazia ao umbigo. Depois, esqueceu-se também dessa história ou escondeu-a em um recôndito imperscrutável. Agora está perdido e não sabe quem é. Às vezes aparece invertido, mas não consegue se ler.
Teófilo.
Já li que significa “aquele a quem Deus ama” ou “o amigo de Deus”. A qualquer hora do dia ou da noite, quando meu pensamento se deixa atar pela saudade, eu faço uma oração por ele; para que se lembre, para que se ache, para que esteja bem.
*
– o que eu sei sobre a ignorância –
O que eu sei sobre a ignorância é que ela não falha. Não há miséria. Todos os dias, às cinco da tarde, o chá está posto. Variam os sabores e as temperaturas, variam as toalhas sobre a mesa e os pequenos aperitivos. Às vezes, a ignorância serve seu chá no jardim de entrada, às vezes no alpendre junto à cozinha; esses detalhes não são relevantes.
Está oferecido a todos, regularmente, o chá da ignorância, que alegra e conforta os convidados, uns mais falantes, outros mirando a janela; sempre elogiam o chá!
“Voltem sempre!”, diz a anfitriã, uma senhora já, distintíssima, elegantíssima, inteligentíssima, amabilíssima, riquíssima, paupérrima.