Dois poemas de Ana Luiza Rigueto
Ana Luiza Rigueto nasceu em Mimoso do Sul, ES, em 1991 e vive no Rio de Janeiro. Formada em Jornalismo pela UFRJ, estudou Literatura Brasileira na pós-graduação da UERJ. Teve poemas publicados na antologia Tertúlia (Ágrafa, 2018) e na Subversa. Realizou o vídeopoema não me fale do fim (2017), disponível no YouTube, e edita com amigos a Revista Transversal. Os dois poemas aqui publicados estarão em seu primeiro livro, Entrega em domicílio, que sairá pela Editora Urutau este ano.
***
como performar deter os meios
não é tão ruim assim fugir
se for pra continuar vivo
não é tão ruim assim
se for pra parar o formigamento
nas canelas
a hora de fugir o corpo avisa
é um acometimento no tronco
desânimo desespero ou coragem
depende se você puder eu digo
que paramos no tempo não chego
com conversinha e não deixo
você fazer mais graça, impossível
tudo com pressa, minguante
não é tão ruim assim fugir
se for pra continuar vivo.
se for pra deixar cartas, pacotes
semi-organizados se for pra sentar
e combinar com você não tratarmos
mais disso viver de acúmulos eu visto
branco é pra anunciar esse silêncio é difícil
rir com você se não temos conversas duras
não é tão ruim assim fugir
se for pra continuar vivo
se for pra sangrar os joelhos na briga
na rua finalmente uma briga
na rua porque
o tempo entre pensar e o gesto impulso
desobediente não há falhas na raiva
e nem é tão ruim assim fugir
se for pra continuar vivo
sem dinheiro
evitando pequenos lanches
e se for parar pra pensar
certas práticas doem mais
que rasgar os joelhos
mais que não saber como abrir as
ruas mais que não puxar assuntos
mais que passar calor muito calor
se você parar pra pensar em todo esse
esforço
como será o corpo de sua mãe depois
do cansaço?
e o seu se você
parar pra pensar
vai entender que precisamos ir
ao mar
vai entender que sente
saudades
vai entender que sabe sim
ser livre
vai entender o que precisa entender e vai
voltar e se curvar
*
leão em plumas
eu gosto desse leão
que levo na barriga
as curvas das garras
arranham meu estômago
e ferem meu intestino mas
eu malho quase todos os dias
pra poder fortalecer o
tronco e aguentar o
tranco eu gosto
das patas mínimas
das borboletas e suas
asinhas de pena pouco
densa esbarram
em meu antebraço torso ventre
esse carinho que nos fazíamos
quando no escuro do cinema
guardei na pele também gosto
dos passarinhos quero-quero
que deixam os ninhos no chão ameaço
alcançar a cria eles montam guarda
dão rasantes em minha cabeça
deus sabe
não quero nada com a sua cria
mas o jeito desses rasantes
despenteiam meus cabelos
e são uma boa brincadeira tenho
lembranças de uma tartaruga
não saberia sua idade mas gosto
de pensar que era jovem porque
apesar da língua de velho corria
atrás de nós corria vinha rindo
de nossa tragédia fugir
de seu passo lerdo com medo
de sua boca aberta com medo
e parar pra descansar sem cansaço
certa alegria e sobretudo
medo eu gosto
dos pavões e sua pose de leão
sem músculos faisão de aplique gosto
que os pavões acreditam
na beleza se emplumam gosto
de olhar os pavões mas me pergunto
se quando abrirem a boca
não virão aquelas lamúrias
o jeito de se confessar a desconhecidos
a falta de amor e acordos íntimos
perdidos no excesso de alinho
mantendo o segredo de que às vezes
comem plantas venenosas até cobras
e continuam vivos.
(Foto: Analice Paron).