Dois poemas de Divanize Carbonieri
Divanize Carbonieri é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, atuando como professora de literaturas de língua inglesa na Universidade Federal de Mato Grosso. É autora de Entraves (2017), agraciado com o 2o Prêmio Mato Grosso de Literatura na categoria Poesia, e de Grande depósito de bugigangas, selecionado pelo Edital de Fomento à Cultura – 2017 da Prefeitura de Cuiabá, com lançamento previsto em 2018.
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RISCOS
quando o risco do tempo corria solto
riscavam-se os potes e as suas tampas
e os traçados dos dias compridos pelo
corpo da cunhatã na tempestade de pó
acumulavam-se camadas coloridas
de pintas e círculos nas secções do tronco
enquanto linhas eram cravadas com pontas
na pele que era lisa como de manhã
punha-se um relevo saliente em cima
da maciez lenta de se acariciar
a mansidão lúcida acompanhava
o ato do desenho que se enlaçava
a mente era quietude e valentia
a seta certeira transpassando o alvo
alterado o emaranhado do tempo
a pele não é mais pintada nem riscada
sua aspereza não se dá pelos sulcos
arranhados por poucos espinhos e ossos
cuias passam sem esses traços similares
a presa escapa da mira desatenta
o pensamento é apenas devaneio
de riscos sem sentido encompridando-se
*
fuzilamento
a bela cabeça
no torniquete
não interrompe
a alma de ser valente
com o pescoço atarracado
ao garrote
não sucumbe no desmaio
anterior à morte
diante do pelotão de fuzilamento
o poeta grita o último poema
esfuziante de coragem
o punho erguido
do pantera negra
reverbera em outros gestos
a guerrilheira
dignamente se empertiga
diante de algozes
que tapam os olhos
para o registro da foto
sabedores da ignomínia
que os aguarda
nas garras do tempo
“RISCOS” foi publicado em Entraves (Carlini & Caniato, 2017) e “fuzilamento” faz parte de Grande depósito de bugigangas (no prelo).