Dois textos de Eliza Metzker
Eliza Metzker, nascida em 13 de julho de 1999, na cidade de Caravelas (BA), é poeta, slammer, escritora e graduanda em Letras, Língua Portuguesa e Literaturas pela UNEB Campus X. Mulher negra baiana, sua existência é perpassada por diversos atravessamentos cruéis, que ela busca, por meio da arte, transformar em resistência. Atua no cenário urbano desde 2019 com sua poesia protesto e performance artística. Respira arte e sensibilidade. Uma mulher que também ama outras mulheres, que as lê e escreve sobre elas.
Estilhacei padrões que me foram impostos
Sigo tentando quebrar a norma que fere minha existência
Alguns caminhos são muito arriscados e não abarcam quem sou hoje
Outros são até atrativos e fáceis de passear, mas abafam minha subjetividade
Como consequência, tenho que lidar com os inúmeros cacos espalhados por aí. Tenho que lidar com o fato
de que quem causou destruição fui eu.
Não tem sido fácil, é uma luta árdua. O que mais dói é perceber que antes da cura, a gente se confunde
com os estilhaços da própria melancolia.
Nos culpamos por ter sido o melhor que poderíamos ser, com a bagagem que tínhamos. Olhamos para o
passado como um lugar de permanência, desejando que tudo estivesse no seu formato original.
Foi então que percebi que, naquele momento, somente eu poderia estancar o sangue que pingava das
feridas ocasionadas pela minha indignação. Me permiti sentir raiva e repulsa, sentimentos reprimidos e
julgados como desnecessários.
Estou em busca de causar a destruição das coisas que me impedem de ser quem sou. Estou em processo
curativo, acumulando antídotos por aí, mas nunca imune das cicatrizes que ficaram.
*
Eu sou insubmissa.
Desde o momento em que vim a esse mundo.
A partir do momento em que fui carimbada com o selo da existência.
A criança preta do cabelo crespo trançado, que usava óculos. A criança que amava jogar
futebol no meio dos meninos e era chamada de "menina-macho". A adolescente magricela
sendo a única que ainda não tinha ganhado corpo. A jovem que com 12 anos alisou o cabelo
pra se sentir aceita, ao ser perguntada: "qual é o pente que te penteia?".
Eu sou insubmissa.
Quando olho pra trás e vejo que a maioria das minhas lições de moral foram aprendidas e
apreendidas à base de manipulação. Ao ser subestimada por outros, ao me autossabotar.
Quando fui super protegida, julgada incapaz e irresponsável. Quando me escondiam da vida
real, quando calavam minhas dúvidas e me impediam de pensar. Quando quiseram ditar meu
caminho, julgando-o certo.
Mas segui sendo insubmissa.
Assim, no gerúndio…
No caminhar, na construção de uma identidade inicialmente forjada. Mas eu não queria me
lapidar. No fundo, no fundo, eu sabia do meu valor.
Quando minhas escolhas fugiam do padrão e minhas decisões apontavam para o rumo que
sempre me pertenceu, a multidão se evaporou devido ao efeito do meu corpo bomba-relógio.
Era a hora de estilhaçar e me encher de mim. O que não mais importava, iria ferir meus pés
na caminhada.
E fui insubmissa, pois não desisti. Desobedeci! Tentando sarar as marcas causadas pelo ferro
do patriarcado. Tentando entender o tempo e o espaço em que vivo. Me permitindo sentir,
cansar, ser vulnerável. Assumindo pra mim quem sou de verdade, enxergando meu mundo
mais colorido desde então, ao defender minhas bandeiras. Lidando com a rejeição e por vezes
me perguntando onde errei, mas logo em seguida lançando a resposta: o verdadeiro erro é não
amar.
Eu sou insubmissa quando não me calo, quando amo alguém do mesmo sexo, quando destruo
crenças limitantes, quando decido meu próprio destino, quando faço da arte símbolo de
resistência e afeto.
Eu sou insubmissa quando preservo o legado das minhas ancestrais e preparo o terreno para
as minhas mais novas. Quando conheço minha história e ensino as demais. Quando ponho
meu turbante ou quando prefiro mais volume do que definição no meu cabelo-coroa.
Ser insubmissa é estar em movimento, mente e corpo. Afinal, há uma maré opressora para se
nadar contra. Mas juntas, salvamos vidas.
Sigo sendo insubmissa.