Em noite de rock, eis os três desejos de Naomi – Um conto de Wuldson Marcelo
O conto Em Noite de Rock, Eis os Três Desejos de Naomi de Wuldson Marcelo faz parte da antologia Big Buka – Para Charles Bukowski, organizada por Afobório para o Selo Coletivo da Editora Os Dez Melhores (RS), em 2015.
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Em noite de rock, eis os três desejos de Naomi
Meia-noite e meia. Àquela hora os shows eram uma mistura assombrosa de desestímulo e fastio. Emocore a toda no bar. Esperava escutar uma banda de punk metal de Recife, aproveitando a aparelhagem de som que levava a música lá pra fora, para o contentamento dos fodidos pela vida como eu. Na entrada, Papai Noel contava histórias para a moça da bilheteria. Para quem estava à distância, ficou a dúvida: Papai Noel tentava ingressar na festa sem pagar, apelando para sua imagem de “bom velhinho” ou xavecava a moça, cofiando sua barba na tentativa de garantir a noite e algumas horas de prazer?
Quando comecei a imaginar que o peremptório senhor deveria ganhar uma boa grana se fantasiando de vermelho no Natal, mantendo a barba branca aparada conforme ordena a etiqueta dos condutores de renas voadoras, percebi que a noite cruzava a linha que separava o melancólico do tedioso. Sem um real no bolso, nem me atrevi a passar uma cantada na jovem de longos cabelos pretos que já aturava os bêbados, folgados e tarados, além das bêbadas, folgadas e taradas, que tentavam negociar com ela o acesso ao bar ou pretendiam descolar uns amassos ou, quem sabe, mais tarde, uma trepada. Eu, com o louco desejo de tomar uma cerveja e o peso de não conseguir curtir o show de minha banda de rock favorita em Cuiabá, a observei à distância e pude ler em seus olhos um misto de vaidade e constrangimento. Coisa estranha se sentir cobiçada pelos mais diferentes tipos de pessoas e ao mesmo tempo ser invadida pelo desconforto do assédio.
Alguém disse em voz alta o nome dela e me soou encantador, ainda que o estrangeirismo tivesse me incomodado. Naomi! Naomi! E o cara desajeitado, de camiseta verde-limão, que destoava da multidão de preto e dos gatos pingados que usavam o rubro de uma das bandas que tocaria na madrugada, aproximou-se dela e foi logo repelido.
Naomi passou a lançar olhares para o meu lado e de repente começou a fazer sinal, como se chamasse alguém. Os garotos próximos se excitaram e interrogavam, lançando sorrisos maliciosos, se ela queria um deles. Então, ela apontou para baixo indicando que queria falar com o sujeito sentado na calçada. Percebi que se tratava de mim, ensaiei um ar de convencido, entre arrogante e galante, mas o abandonei rapidamente, entregue as frustrações de andar ultimamente refém da falta de dinheiro e da ausência de romance na vida. Quando me aproximei de Naomi, após escapar dos olhares reprovadores de quem, marcando posição diante da entrada, aguardava o inesperado ou uma alma caridosa que bancasse a diversão, esbocei um sorriso. Naomi quando me viu perto, mostrou-me o segurança, que eu chamei em expectativa. Ela disse, “Deixa o meu amigo entrar. Ele vai pegar uma Heineken pra mim e outra pra ele”. O segurança me olhou de cima a baixo, desconfiado, mas liberou a passagem. Entrei e pedi as cervejas. A barwoman, de cabelos laranjas, lançou-me um estranho olhar quando revelei que a Naomi havia me mandado lá.
A moça de jeitinho delicado, entretanto, com um aspecto de quem esconde a loucura, acenou para o segurança, que confirmou mostrando o polegar direito.
Depois de apanhar as duas garrafas de cerveja, fui ao banheiro. Ambos os vasos sanitários estavam ocupados, seis caras cheiravam cocaína, fazendo as carreiras com um cartão de crédito em um livro de JT LeRoy. Os rapazes, nem todos tão jovens, olharam para onde eu estava e me ofereceram uma linha fina que sobrara. Dispensei e fui mijar. Ao voltar para a entrada, Naomi sorriu e perguntou o meu nome. “João”. Ela o repetiu e sorriu novamente. Respirei aliviado, já que o nome dela me lembrava top models, atrizes hollywoodianas e rainhas europeias, seja lá o que fosse, algo entre a suntuosidade e o menosprezo pelos Joãos da vida.
Quando a cerveja chegou à metade, percebi que nem havia dado uma olhadinha no palco para sentir a vibração da banda que estava tocando, perdi a oportunidade de me embrenhar na galera e sumir do radar da segurança do bar. Enquanto me censurava pela inação, Naomi, enfim, levantou-se de sua posição de funcionária exemplar, mas redobrando a atenção em quem se aproximava para adquirir ingresso ou tentar entrar de graça e também para receber as paqueras dos mais atrevidos. Vendo suas pernas, notei as coxas que se tocavam debaixo de uma saia xadrez vermelha. Naomi era extremamente atraente, com seus lábios semicarnudos, olhos castanhos-esverdeados e a pele parda. Além da cicatriz que começava na beira do supercílio e chegava à ponta de sua orelha direita. Imaginava como ela havia ganhado sinal tão chamativo, que, no entanto, não diminuía a forma como era assediada. Ela sorriu novamente e molhou os lábios com a língua, dizendo-me “Às quatro da manhã, os shows acabam. No meu carro tem uísque e umas garrafas de vinho. No meu tablet, músicas do Echo and the Bunnymen e do Bad Religion. Cara, tenho até O Terno nessa porra. Depois podemos ir a algum lugar”. E sorriu mostrando a alvura que guardava na boca. Nesse momento, a banda de Recife deixava o palco. Um grande show, que ouvi em transe moderado, por assim dizer, pois as músicas alcançavam meus ouvidos, causando o efeito esperado, entretanto, com limitações justificáveis, já que meus olhos e desejo se voltaram para Naomi.
Penso que, de cada 100 pessoas, 80 falariam, “Taí um cara desprovido de beleza. Pode até não ser feio, mas bonito que não é”. E, mesmo assim, lá estava eu prestes a curtir a última banda da noite e depois esticar a madrugada em companhia de uma beldade, nascida, com certeza, da espuma de algum Urano inspirado… Ou apenas de um imbecil sortudo.
Uma banda de garotas foi responsável pelo último show da noite. Elas eram de Manaus e mostraram ser cinco meninas endiabradas, conhecedora da arte de despertar tanto o respeito quanto o tesão da galera. Quando os instrumentos das jovens pegavam fogo, sendo capazes de ressuscitar a vibração dos mais exaustos, a entrada foi liberada e, assim, os deserdados do capitalismo puderam respirar a atmosfera que combinava o cheiro da diversão etílica com nicotina, suor e urina. Depois disso, Naomi sumiu porta adentro com o lucro do evento. Tomado pela indecisão, especulei se era melhor segui-la, aguardar o seu retorno, fingindo ser acessório da portaria ou assistir a banda das ladys diabólicas.
Escolhi o show, mesmo com o receio de perder a jovem, o uísque e a transa, que ganhava espaço em minha mente, oscilando do “deixa de ilusão” para um provável gozo ao amanhecer. Quando abandonei o show por um momento, para ir ao banheiro, esbarrei em um camarada, o Dino, que volta e meia relembra o nosso passado de arruaceiros. Enquanto ele falava dos dias em que nós dois, e mais alguns comparsas, pulávamos os muros das universidades para ver os shows nacionais e chapávamos com vinhos baratos e corotinhos misturados a suco de maracujá, eu pensava no paradeiro de Naomi, na cerveja que não tinha em mãos e na segunda-feira que me levaria para mais um dia de trabalho no açougue, cortando e desossando carne bovina, de suíno e de frango. O odor desses esquartejamentos diários parecia entranhado em minhas narinas, e o respirar, ato contínuo, natural, necessário, trazia o emblema das coisas mortas. Há onze meses nesse emprego, o perfume de Naomi se confundia com o de um lombo de porco.
Quando Dino avistou Marisa, uma colombiana que andava por Cuiabá nesse ano, ele voltou para o tempo presente, e a seguiu me deixando sem ao mesmo me pagar uma cerveja em nome do passado glorioso ou da desnecessária sessão nostalgia. Sozinho na multidão de corpos alucinados pelos acordes de guitarra, a música me pareceu uma invenção não realizável, um sonho que invade as solas dos pés, perfurando os sapatos, criando uma corrente elétrica que percorre cada órgão, até estourar os tímpanos. Quando estava absorto nesse devaneio, senti alguém cutucar minhas costas, e, tal qual uma epifania ou uma fantasia, Naomi estava ali parada diante de mim, abraçando-me, aninhando-se em meus braços, rebolando ao som das cinco garotas. Na pausa da música recém-encerrada para seguinte, ela me revelou que desejava usufruir de uma banheira gigantesca, e disse que conhecia um motel que tinha uma exatamente como o seu corpo pedia para aquele amanhecer. Ouvia-a atentamente, imaginando que riquezas ela esconderia e tentando evitar pensar que Naomi cometia estripulias de compaixão, pegando um sujeito ferrado e premiando-o com as dádivas da fortuna. Eu não tinha um puto no bolso, e começava a elaborar planos para fugir daquela beleza inescapável.
Dançamos e bebemos até a última canção. Beijamo-nos sem esforço e um tanto ardorosamente. Rocei meus dedos pela sua cicatriz e senti uma profundidade que denunciava que ali havia sido talhado um episódio de terror.
Quando saímos do bar, os olhares dos camaradas, dos celebrados mendicantes de diversão e cervejas ou vinho barato, fulminavam-me como a dizer “Vai trepar, filho da puta, e nós aqui, sem grana e sem bucetas”. Depois percebi que era delírio. Eles querem mais é que eu me foda, estrepe-me como o indigente que esbocei ser. Quando chegamos ao seu carro, notei uma mochila que tinha a aparência de conter todas os mistérios do mundo. Ela percebeu minha curiosidade. “Garrafas de vinho e verdades insondáveis”. A bela e a fera partiram em direção ao motel que ela desenhava como perfeito. Além da banheira, espelhos por toda parte, serviço de quarto eficiente, minibar etc. Eu acusava a sorte de uma travessura das mais safadas, pois eu não queria o motel de luxo que ela descrevia, mas o quarto dos fundos do açougue abandonado pelo zelador, que, às vezes, quando fechava o estabelecimento e o cansaço era demais, eu ocupava para evitar o ônibus lotado de retorno a minha moradia de sala, quarto e banheiro.
Àquela altura, comecei a especular se não navegava em águas perigosas. Sozinhos, no asséptico, comum e indefectível quarto de motel, nos beijamos tomando uísque e ouvindo Queen of the Stone Age. Em seguida, Naomi fez-me um sexo oral como se fosse a última atividade que faria na vida e isso lhe valesse sua passagem para o céu. Depois que a penetrei, sem fúria, relaxado como nunca antes, fomos da intensidade sublime à calmaria inevitável.
Depois, Naomi abriu a mochila na qual guardara os vinhos. Seis garrafas Cabernet Sauvignon italianas, ano 1999, que ela havia ganhado do ex-amante, um tal deputado, cujo nome permaneceria incógnito. “Dá para ficarmos bêbados com essa porra”, ela disse sorrindo. “Embriagados e com gosto de riqueza na boca”.
Fomos para o chuveiro, acompanhados de uma das garrafas italianas. Transamos mais uma vez. De repente, comecei a conjecturar se Papai Noel estaria fazendo sexo naquele momento. “Velho salafrário! Puto do inferno!”.
Voltamos para a cama. Já era manhã. O dia tinha tudo para ser ensolarado. Enquanto Naomi olhava o teto espelhado, nua, com um estranho sorriso no rosto, parecendo se regozijar por algo pertencente apenas ao seu universo particular, percebi um mundo intraduzível, com êxtases e armadilhas por todos os lados. Fui condicionado para ser desconfiado e mergulhar de cabeça nas presepadas que a vida me apronta. Carregar contrassensos é uma arte divertida, mas apta para a instalação do medo e do tédio. Ambos brotam como ervas daninhas, nutridas por uma duvidosa sabedoria forjada pelo pessimismo.
No tablet de Naomi rolava Cat Power: “Once I wanted to be the greatest/ Two fists of solid rock/ With brains that could explain/ Any feeling”. O vinho começava a me inebriar, trazendo-me o sono que eu queria recusar a todo custo, pois a vigília tinha formato de sonho, uma imprudência minha ou de Naomi. Não sabia ao certo. Após esse questionamento estéril, alisei suas coxas, beijei-lhe os joelhos e me perdi em seu ventre. Rindo, ela se levantou, foi até a mochila, retirou de lá uma caixa de sapatos. Mostrou-me o conteúdo que trazia dentro. Um revólver, calibre 38. Havia somente uma bala. Naomi sorriu como se tivesse mantido em segredo uma peraltice infantil. Enfim, ela quebrou o silêncio. “Vamos brincar de roleta russa? Que tal?”. E voltou a sorrir, algo entre o angelical e o perverso. Um clichê, de certo. Uma situação irreal lançada a situação-limite, como se fosse uma mera brincadeira entre amantes desconhecidos psicóticos. Ponderei se o melhor a fazer não seria agradecer a trepada, levantar-me e dar o fora. Porém, sentia uma vontade colossal de beber um uísque. E foi o que fiz. Com uma dose que transbordava a boca do copo, olhei para Naomi como se reconhecesse nela a verdade de um desespero disfarçado em desatino suicida. Invadiu-me um sentimento de nostalgia pelo quarto dos fundos do açougue, apesar de ser um local de exposição e consumo da morte. Ali, meu corpo cansado reina entre a solidão e a expectativa de algo para além da solidão. “Que seja”, respondi. Naomi girou o tambor, lunática e sedutora, calma e triste. Pousou a arma na cama, mexeu na mochila outra vez e pegou um papelote de cocaína. A mochila entreaberta revelou dinheiro envolto em sacos plásticos transparentes. Naomi depositou o pó na cômoda ao lado da cama, fez duas carreiras e aspiramos o entorpecente. Automaticamente, o odor de pedaços fatiados de carne de vaca me tomou de assalto. Um cheiro forte e avassalador. Ao voltar à realidade, Naomi apertava o cano do revólver contra a têmpora e gritava “Cospe fogo, filho da puta”. Fechei os olhos, pois não queria ver ninguém se matando na minha frente. Ainda mais uma garota pela qual, caso a vida não fosse um atoleiro de malogros bem-sucedidos, eu estaria disposto a abandonar a inação que reclamava minha posse. Escutei um crac e nada ocorreu. Abri os olhos e suspirei de alívio, de desespero ou para evitar o temor.
Certa vez, eu me deparei com uma arma apontada para mim, depois de conversar com a namorada de um playboy metido a macho, convicto de sua autoridade e protegido pelos seus privilégios de quinquilharias compradas pela grana do suor alheio. Num lance de sorte, arremessei uma garrafa de cerveja 250ml e acertei a cabeça do babaca. Daí o revólver caiu e a porra toda virou uma briga generalizada. Então, descobriram que a arma estava descarregada. Noite sangrenta e manhã dedicada a refletir as arapucas da sorte.
Porém, aquela experiência de Naomi e do infeliz eleito na portaria de um bar de rock era a busca insensata por expurgar o peso da existência e o deliberado fascínio ocasional pela morte, respectivamente. A jovem girou o tambor do revólver e me passou o frio metal. Coloquei a arma na boca e disparei, sem pestanejar ou imaginar se a luz ou a escuridão tomaria conta assim que o meu maxilar inferior voasse pelo quarto do motel. Naomi sorriu, depois veio o riso. Hilaridade cortada por uma sucessão de abrir e fechar os olhos, um descontrole momentâneo que revelava algo mais que o alívio de permanecer intacta diante de uma provável explosão de pólvora no rosto belo e habitado pela angústia.
Acabou o vinho, o uísque e a curiosidade em saber os motivos de toda aquela encenação sobre o jogo de vida e morte. Naomi acendeu um cigarro e me passou outro. A manhã de domingo tinha um sabor amargo, um fel que não possuía ligação com o passado nem com o futuro. Era algo único, inexplicável, que eu sentia apenas quando bebia cachaça ao amanhecer, na Praça Maria Taquara, e ficava a pensar se seria uma boa ideia encontrar uma prostituta e fingir que o amor era coisa que se poderia negociar nas esquinas da vida.
Ficamos na cama, entregues a uma morbidez de recém-ressuscitados. Poderia ficar naquele quarto eternamente, incapaz de me levantar e encarar dias mais insossos dos que os vividos até então. Naomi, num sobressalto estranho, se ergueu, sua calcinha vermelha resplandecia e suas coxas eram a lembrança da insensatez imprevista. Devagar, ela começou a revelar o que não mais carecia de explicação. “João, eu te vi no bar uma dúzia de vezes, e sabe… eu adoro pessoas taciturnas, mas não aqueles tipos calados que carregam a violência nos olhos, prontos para explodir em qualquer momento. Meu ex-namorado era assim: na dele e, repentinamente, bruto. Arrisquei-me e ele me deixou isso”. Ela mostrou a cicatriz. “O meu ex-amante, político, é falastrão e autoritário. Ele me deu essas garrafas de vinho, caríssimas, e mais uma grana… Um ‘cala boca’. Um passa-fora para ficar quieta e aproveitar a vida. Como tudo estava no carro… e te vi hoje lá, pensei ‘Pega esse cara e faça o que imaginou para o seu fim. Álcool, drogas e roleta-russa’. Três desejos realizados. Mas a vida prossegue. Isso faz sentido?”. Era uma pergunta retórica. O silêncio acentuou o sofrimento que acumulara em seu corpo. Dores e pesares que ficaram impressos em minha boca e em minhas mãos, após sentir o gosto de sua exuberância. A revelação não trouxe censura ou aprovação. Vencido pelo cansaço, pelo gesto monumental da insanidade, adormeci. Sonhei. No sonho eu dizia a Naomi, “Você é má, moça. Muito má”.
Quando acordei Naomi já havia partido. Senti em meu peito o perfume dela e o cheiro de carne morta que me acompanhava. Recuperei em minha mente a beleza de Naomi e de seus três desejos. Vinho caro, entorpecentes e o vil metal exigindo sangue. Havia nessa soma o prazer e o alívio. Ou o desespero e a frustração? Deixei o motel ao meio-dia. Naomi já havia acertado a conta. Senti-me mal por um momento, como se tivesse explorado uma jovem triste.
Na sexta-feira seguinte, fui ao bar de rock. Não encontrei Papai Noel na entrada. Comprei ingresso e cerveja, aproveitando o recebimento do salário. A barwoman disse que Naomi havia se demitido na semana passada. A garota sorriu, um sorriso meio-desatinado como o de sua ex-colega de trabalho. A notícia não me surpreendeu, pois Naomi tinha dinheiro para sobreviver por um bom tempo. Ela poderia perfeitamente dispensar o assédio de bêbados, folgados e tarados. E eu, naquela noite, decidi que acordes de guitarras e baterias furiosas eram melhores companhias que a nostalgia por cubículos preparados para ferrados pela vida ou as emboscadas gratificantes de uma noite de sexo com uma jovem angustiada subitamente maníaca.
Quando os shows terminaram, voltei para a rotina de cachaça e a busca por um falso amor encontrado em alguma esquina. O calor era infernal e o primeiro gole de aguardente fez-me respirar fundo e absorver o cheiro de carne de vaca que se recusava a me abandonar. A flor do acaso estava distante. E os seus desejos no meu passado. Respirei aliviado. Nada havia mudado.