Três poemas de Emanuel Goulart
Emanuel Goulart, 23, natural de Ituiutaba/MG, é poeta, dramaturgo e professor. Atualmente, cursa Estudos Literários na Universidade Federal de Ouro Preto.
***
Minerviníssima
Vão-se as suplicantes
cruciando seus filhos
nascidos infantes; mas
mortos antes ao pé da Luz.
Vai-se suplicando
ao seu Infante que é morto
tão morto; nuns olhos castos,
recatos, da Criação.
Uma alma velada surge; é
a Aparição: casou-se
com as túnicas santas da
Desaparição;
os dois rostos juntos
na medrosa ceia.
De um grito a um outro grito
quis o ventre o manto
onde o Sol se banha;
(quem dera se não lacrimasse
o peito, quem dera fosse humana
a sombra).
Vão-se as suplicantes
onde as aves tavam cegas,
sangue súplico derramou-
-se nos olhos da Dormição
; o mesmo sangue acolheu os olhos
Prenhos. Velas acesas, adeus, se vão
em coros tão fundos do Infante.
(E os coros
são moças antigas e nuas).
Se encobre ele na dor, e abraça-a
mas súplica é sátira; e o desalma,
entre alma e alma.
Abôio penoso
de nós, suplicantes,
no colo das casas.
*
D’atriz nupcial
(à Eduarda Duarte)
Oculta vestal e obscura
é atuação tua, anciã;
pavana muda em que
um clarão invade a voz.
O verbo carpido,
o negro improviso
são vísceras tuas,
que não vejo;
pois se esconde
e a mim só resta o duro apelo.
Se esconde, atrás da luz,
esguia, tanto zelo. . .
(A mim
desconhecida e bela:
a cena é a sepultura).
Eis nos ares teu
quieto traço, que eterniza toda fala
e todo drama. O sinal canta
— uma atriz imanta o escuro seio —
em língua portuguesa.
As aves teatrais são
vida e morte, e os gorjeios vão,
devotamente, padecendo em tuas
mãos de pomo e prece.
(E rogo a tudo, até Dionísio,
para que cesse
e tanto esse derriço,
pois sou pobre espectador).
Dai-me o perdão
do choro, que é calado,
mas que de espanto fere
e os olhos tenho aulido.
(Enxergar-te, sombra
sobre sombra,
comove a magra vida).
Os olhos, saídos da face
de tua face vão viver,
abrir os braços
como Ave.
Desta seiva a gravidade
assombra,
que o meu papel é só
o de viver como enlutado.
(Ave, generosa. . .
defunta e profana, és vivaz e santa,
e a tua mão passa pelos olhos
sem ter olhos da Amada).
As alvas luzes de outrora
que em teu leito silencia, Senhora,
bordaram o ávido manto
com as sombras dos Atos;
Chega, pois, a candelária
arfando os passos na graça
candente que tua efígie
enleva.
Revela um ai!
E eis que escuto então todos os ais
que pode uma atriz
se carpir.
Garça parda, miúda e baça,
faz da cortina a grinalda
que padeço
a padecer.
Guarde por ti esta agonia
da peça intemporal
com a voz graçal que se trivia;
são tantas Marias!
Garça parda, nupcial
d’aparição, por ser
tantas Marias — Marias —
é fugidia escuridão.
*
Uma cena de Garcia Lorca
I
A mãe devora
o choro contido no
branco tecido. A mãe, que não é mãe,
padece o ovário. Pela porta entra Maria
De onde vem, Maria, tão prenha?
de lá
da lã
antiga, caída, nos pés de
Renda.
II
Os ritos devoram a mãe
de torso rendado.
(Inveja Maria,
a mãe que nasceu
de filho rogado).
Em pedras mudas
e panos pretos
são feitas as mãos
a que pertenço:
“como dói
a cintura que será
teu primeiro berço”.
III
Durmo o sonâmbulo
cascalho, de sono fechado,
envelhecido.
Os olhos irreais
tão existidos,
fazem de mim
o maternal desejo.
Esse berço é um bojo adormecido
que o menino mora acordado,
a dor se aflora:
é a voz do menino
que constante nasce.