Entre livros e sonhos intranquilos por Lívia Corbellari
Na coluna “carne viva”, assinada por Lívia Corbellari, tem literatura, amor e outros demônios. Quinzenalmente, um papo de mesa de bar sem pretensões, aceita um copo?
Lívia Corbellari (Espírito Santo, 1989) é escritora, autora do livro de poemas “carne viva” (2019 – Cousa). Formada em jornalismo, trabalha com produção de conteúdo para internet e possui o projeto literário multimídia “Livros por Lívia”, sobre a literatura produzida nos dias de hoje. Recentemente iniciou um canal no YouTube de resenhas
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Entre livros e sonhos intranquilos
Talvez não exista comparação mais óbvia do que os sonhos e a ficção, ainda mais se falando em literatura, onde podemos criar universos e situações sem limites. O assunto me veio ao perceber que 'coincidentemente' tenho lido muitas histórias em que os sonhos são peças centrais na trama. Lembrando rapidamente li "Com armas sonolentas", da Carola Saavedra, "Após o anoitecer”, do Murakami, "A vegetariana", da Hank Kang, "Cat Person", da Kristen Roupenian, "Ponto de fuga", do Lobo Pasolini, sendo esses só os
mais recentes.
Acabo me aproximando dessas histórias em que o mundo onírico e o real se misturam, talvez por ser uma pessoa que também sonha muito e, na maioria das vezes, lembra-se dos sonhos. E este período de isolamento social tem aguçado ainda mais o meu inconsciente com sonhos e pesadelos que têm sido ainda mais comuns.
Aquela sensação de que os sonhos podem ser chaves para situações reais aparece muito em “Com armas sonolentas”, da Carola Saavedra. Sem contar que a realidade se apresenta muito mais inacreditável do que o universo dos sonhos nessa trama na qual a vida de três mulheres se entrelaçam e se distanciam da mesma forma.
Em “Após o anoitecer”, de Murakami, a premissa é bem mais simples. Acompanhamos a noite de uma jovem que não consegue dormir em um café 24h no qual ela conhece algumas pessoas. O que pega neste livro – não seria Murakami se não tivesse algo esquisito – é que paralelo a essa história temos algumas cenas da irmã da protagonista, que, ao contrário dela, está dormindo sem parar há algumas semanas. E essas cenas que mostram ela dormindo tem um – ou mais de um – narrador muito estranho que conta tudo na terceira pessoa do plural.
Essas narrativas oníricas que atravessam a história principal também estão muito presente em
Algo parecido também encontramos no livro de contos “Ponto de Fuga”, de Lobo Pasolini. O foco das histórias é o movimento em busca da liberdade. E no conto “Fuga da Floresta”, o gatilho que faz com que uma mulher mude sua vida
repentinamente é um sonho, assim como no livro da sul-coreana Han Kang. Já em “Cat Person”, de Kristen Roupenian, os contos discutem principalmente questões sobre consentimento, assédio e relacionamentos. Não há histórias específicas sobre sonhos, mas o fantástico está sempre muito latente. E acho que esse é um dos grandes poderes da literatura: nos descolar da nossa realidade e nos levar para o campo do absurdo.
O sonho me parece sempre uma brecha no nosso inconsciente que conseguimos acessar parcialmente. Não tenho a necessidade de interpretar profundamente nenhum deles, mas gosto da sensação dos sonhos, assim como a de ler histórias que desafiam a dita ‘realidade’.