Entrevista ao Diário de Cuiabá
16 de setembro de 2017
Diário de Cuiabá: Você tem dedicado sua vida à poesia, seja nos estudos, seja na produção literária. Por que essa opção?
Matheus Guménin Barreto: Não sei bem se essa foi uma opção consciente minha, ou se as coisas simplesmente se encaminharam de um jeito que ‘acabei poeta’. Acredito mais na segunda opção.
Desde cedo tive um interesse enorme por literatura: comecei a ler por prazer já aos 9 anos de idade (livros infantojuvenis, claro), e acho que desde os meus 14 ou 15 anos não termino um livro sem já ter o seguinte à mão. Nos primeiros anos eu lia apenas prosa, e só aos 15 ou 16 comecei a ler poesia. O engraçado é que comecei a escrever poesia quase que na mesma época em que comecei a ler poesia. Lembro-me que tive na escola uma aula sobre Gonçalves Dias: nesse mesmo dia voltei para casa com o ritmo de um dos poemas martelando tão forte na minha cabeça que escrevi meu primeiro poema naquela mesma estrutura rítmica. É claro que esse meu primeiro poema não era lá muito bom, mas assim comecei a escrever poesia.
Além desse fator ‘gosto pela leitura’ há um outro, tão importante quanto o primeiro no meu desenvolvimento como poeta: o fator ‘privilégios sociais’. Foi por causa deles que tive acesso a centenas de livros, tempo livre para treinar a escrita, tempo livre para pensar na escrita. Acho que é importante reconhecermos nossos privilégios para não cairmos naquela velha história da ‘meritocracia’ – que não existe, é claro. Ter privilégios sociais não me fez poeta, mas certamente facilitou o caminho – e não tê-los dificultou o de outras pessoas igualmente capazes.
Nos anos seguintes escrevi demais: algumas publicações; centenas e centenas de poemas por mês, quase todos medianos ou ruins – mas acho que esse processo todo foi muito importante para o desenvolvimento da minha escrita. Hoje estou muito contente com o que escrevo. Costumo dizer que sou meu pior inimigo na escrita: não tenho pena de jogar páginas e páginas no lixo. Acho que é importante ter um olhar crítico em relação à própria obra, saber se desvincular emocionalmente de um texto seu quando se está revisando esse texto.
Venho trabalhando há 5 anos em “A máquina de carregar nadas”, e depois de cortes, cortes e mais cortes cheguei a um resultado que me deixou muito feliz. O lado bom de avaliar duramente seus próprios textos é ter a liberdade e a leveza de se alegrar depois, quando se chega a uma versão final.
D.C.: O título do livro “A máquina de carregar nadas” tem algo de melancólico. É triste a sua poesia ou ela guarda algumas alegres surpresas para seus leitores?
M.G.B.: Não vejo minha poesia como uma poesia triste – assim como não a vejo como alegre. Acho que a poesia (e a arte de modo geral) está num outro lugar, num espaço além do ‘triste’ e do ‘alegre’. Acho que a poesia (pelo menos a que me interessa) tem a função de puxar o tapete, de nos tirar do modo automático, de nos fazer observar o que somos e o que as outras pessoas e coisas são. Então não, eu particularmente não acho que minha poesia seja triste.
D.C.: Poeta com espaço que se amplia pelo Brasil e pelo mundo, qual a importância de lançar seu livro também em Cuiabá?
M.G.B.: Nasci e cresci em Cuiabá, então acabei criando uma relação afetiva com a cidade ou com a imagem que tenho da cidade. E acho que isso cresce com o tempo, esse sentimento em relação ao lugar onde se nasceu. Talvez com o tempo a cidade ‘bote a gente comovido como o diabo’. Seja como for, Cuiabá sempre vai ter um espaço privilegiado na minha cabeça. Aliás, estou há alguns meses escrevendo um poema-livro em torno de Cuiabá.
D.C.: Como é que Cuiabá e Mato Grosso influenciam sua produção literária?
M.G.B.: A presença de Cuiabá na minha escrita cresce com o tempo: nos primeiros anos se percebia pouco ou nada de Cuiabá nos meus poemas; nos últimos dois anos vem ganhando um espaço cada vez maior no que escrevo. Alguns meses atrás publiquei no próprio Diário de Cuiabá um poema chamado “Cuiabá/Chapada dos Guimarães”, que para a minha alegria foi comentado pela grande Lucinda Nogueira Persona. E, como comentei na resposta anterior, venho trabalhando há alguns meses em um poema-livro em torno de Cuiabá.
Acho que morar em outro lugar acaba criando uma relação estranha e interessante entre qualquer pessoa e sua cidade natal. Sempre há alguma coisa a se desenterrar.
D.C.: Depois dos estudos na USP, que caminhos você pretende seguir?
M.G.B.: Acabei de passar pela qualificação de minha dissertação de mestrado, que é sobre tradução de poesia alemã. Quero terminar o mestrado, já fazer o doutorado e depois começar a dar aulas em alguma universidade. Não me vejo trabalhando com outra coisa. Mas nunca se sabe, não é mesmo? Já no campo da poesia, pretendo simplesmente continuar a escrever. O bom da arte é que nunca se alcança aquilo que se quer: a busca é contínua, não há ponto final. Arte é movimento. E isso me enche de alegria.
[Imagem: Mark Rothko]