Entrevista com a escritora Maya Falks – Por Vanessa Franco
Na coluna mensal “Mulheres na Literatura”, Vanessa Franco aborda entrevistas com escritoras, resenhas de livros, publicação e análise de poemas e traz novidades do mundo literário envolvido por mulheres.
Vanessa Franco é professora de teatro, atriz, palhaça e poeta paraense.
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Para além da literatura quem é Maya Falks? Queremos conhecer você!
Maya Falks se formou em publicidade, fez especialização em marketing e atuou quase 20 anos na área, mas antes disso trabalhou como balconista e como secretária. Depois disso estudou direito, se formou em jornalismo e estuda Letras. Pensando de uma forma subjetiva, para além de carteiras de trabalho e matrículas, Maya Falks é literatura.
Como surgiu o seu interesse pela escrita?
Acho que é uma coisa tão forte em mim que não posso precisar como, já nasci com esse interesse. Pegar uma caneta e rabiscar em um papel é uma ação natural desde minha primeira infância. Criar histórias é minha diversão desde sempre.
Qual a importância da literatura para você?
A literatura é o que me define. Não somente como escritora, mas como leitora, como resenhista, como pesquisadora. O universo literário é extremamente amplo e mágico, nunca se esgota e nos resgata, muitas vezes, de realidades não muito agradáveis. Desde a infância sofri muito bullying; na minha época o assunto não era tratado como é hoje, e eu fiquei desamparada. Um livro, um caderno e uma caneta não impediam a violência praticada contra mim, mas ajudavam a amenizar meu sofrimento. Talvez seja coerente dizer que a literatura salvou minha vida.
Quais livros marcaram a sua vida?
Muitos! Meu primeiro livro foi “Batalhão das Letras”, de Mário Quintana (cujo verso mais famoso tenho tatuado no ombro), tenho fotografia de eu bebê agarrada no livro. Depois disso, me marcou profundamente “Escaravelho do Diabo”, da coleção Vaga-Lume que, se não li todos, cheguei perto. Na pré-adolescência descobri Pedro Bandeira e virei fã. Guardava mesada, vendia bugiganga, deixava de comprar o lanche vez ou outra pra poder comprar seus livros na feira da escola.
Perceba que todos esses são livros de formação, a base de todas as fases que eu viria enfrentar posteriormente como escritora.
Tive minha fase Agatha Christie com o livro “Convite para um homicídio”, primeiro livro longo que li em tempo recorde lá pela metade da adolescência. E teve, claro, meu maior ídolo Gonçalves Dias, cuja poesia descobri aos 14 anos.
Foram milhares de livros desde minha alfabetização e acho fundamental citar os livros de formação como os mais marcantes; sem eles, esses milhares talvez não tivessem sido lidos.
Como é o seu processo de criação com a escrita?
Meu processo varia conforme o gênero. Um poema em geral é um tanto mais visceral, um conto demanda uma postura mais centrada, mas não gosto de começar a escrever um conto para terminar outra hora; ou eu termino na hora, ou não termino mais. Geralmente, inclusive, não leio meus contos imediatamente; SE eu ler, será muito tempo depois.
O romance já é um processo muito maior, mais delicado. Tenho uma ideia e fico brincando com ela na minha cabeça. Se ela se esvaziar depois de uns dias, a ideia morre ali. Se ela mostrar potencial, sigo pra fase seguinte, que é a criação dos personagens e cenário. Essa fase costuma ser longa, um período que dialogo comigo mesmo e ainda não coloquei nenhuma palavra no papel.
Quando já estou íntima de meus personagens e sei exatamente como cada um pensa e age, parto para a fase quase arquitetônica de desenvolver meus ambientes, para que eu saiba como posicionar esses personagens conforme sua função na história.
A partir da união dos personagens com o cenário, faço um apanhado geral do que eu preciso aprender que ainda não sei sobre algum assunto tratado na narrativa. Esse processo é importante para que a narrativa flua naturalmente. Esse conhecimento adquirido não necessariamente será explicado ao público, mas se o personagem tem aquele conhecimento, o mesmo surgirá de forma natural e verossímil durante o andamento da história.
Depois de todo esse processo – que pode durar uma semana ou um ano – é que parto pro papel. Tudo o que eu escrevo nessa largada muito provavelmente não estará na versão final do livro – e mesmo com todo esse processo, nada garante que o livro será terminado, ele pode se esvaziar antes do fim. Também é natural que o livro tome um rumo totalmente novo, que os personagens precisem ser repensados, que novas pesquisas precisem ser feitas.
É um processo longo, trabalhoso e extremamente divertido.
Aos sete anos você já criava as suas histórias. Como era para você ainda pequena escrever?
Uma grande diversão. Sou do interior do Rio Grande do Sul, vivi a era analógica até entrar na faculdade, então eu não tinha acesso ao que acontecia no mercado editorial nem conhecia nenhum escritor, então mesmo já sendo leitora e amando livros, eu não via a escrita como uma possível ocupação real para quando eu crescesse. Lembro claramente que, no dia que decidi ser publicitária, aos 8 anos, tomei a decisão pensando na possibilidade de criar e escrever, mas mesmo assim perguntei à minha mãe se tinha faculdade para ser escritor. Estamos falando de 1990, em uma cidade com uma única universidade (particular) e nem se sonhava um curso de escrita criativa como tem hoje na UNISINOS e na PUC. Minha mãe respondeu que achava que era Letras, mas que achava que no curso se estudava muito português. Eu detestava português e suas milhões de regras; já tinha bom vocabulário pelas leituras e queria ser livre, então me mantive na publicidade. E lá fiquei por 20 anos depois de ingressar na faculdade. Escrever cada vez mais se tornou uma forma de continuar viva, como foi desde o começo: minha diversão e meu analgésico.
Você tem um projeto de divulgação da literatura com resenhas e reportagens. Fale um pouco sobre esse projeto.
O Bibliofilia Cotidiana surgiu por diversas situações que aconteceram próximas uma da outra. A primeira foi perceber como autores contemporâneos de pequenas editoras tinham dificuldade de conseguir resenhas de seus livros. A segunda é que um livro meu ganhou uma resenha que não condizia com o conteúdo do livro e eu achava que todo autor merecia respeito pra não passar pelo que eu passei. A terceira é que eu me formei em jornalismo e decidi criar meu próprio canal para falar do que eu mais amo.
Me dedico muito a cada livro que vou resenhar, eu sei todo o lado emocional presente em cada livro que me é enviado, respeito demais cada autor mesmo que eu, pessoalmente, não goste da obra. Não minto nas resenhas, mas não aponto pontos negativos de forma escancarada ou escrachada, ninguém escreve um livro querendo errar e não acho justo humilhar alguém porque, na minha opinião, não atingiu o objetivo. Já aconteceu de eu me negar a resenhar dois livros, em ambos procurei os autores para explicar meus motivos e um deles até fez uma chamada de vídeo comigo para conversarmos sobre a obra e o que ele poderia fazer para torna-la melhor. Foi construtivo para ambos.
Qual a importância das redes sociais no seu trabalho de escritora?
As redes revolucionaram minha carreira. Aqui entre as pessoas que eu convivia, ninguém me levava a sério. Demorei MUITO para conseguir um espacinho e ser vista no meio cultural da minha cidade. Ainda assim nunca tive um texto publicado no jornal local, fui vetada para assinar uma coluna quando a antiga titular saiu e me indicou e eu fui a única vencedora do Prêmio Vivita Cartier (o maior da região) a não receber qualquer destaque pelo feito no jornal.
Enquanto aqui essa vitória passou quase em branco, nas redes sociais fui muito celebrada. Foi a partir das minhas redes – e da minha transparência nelas – que fui me tornando conhecida. Fui dona de uma das primeiras páginas ativistas do Facebook, tinha um alcance orgânico absurdo; acabei deletando a página por causa das ameaças. Mas meu alcance aumentou tanto que cheguei a receber um e-mail do Google informando que um texto meu havia sido o mais compartilhado do mundo naquela semana.
Também já enfrentei uma polêmica das grandes quando um cantor famoso lançou um disco novo e usou, no release de divulgação que foi pra toda imprensa, uma frase minha, que eu havia postado vários meses antes e que não havia qualquer registro daquela frase anterior ao meu post. Eu não queria confusão, mas meus amigos printaram meu post original e botaram pra circular. Ao mesmo tempo que muita gente veio conhecer meu trabalho porque viu que a frase era minha, também veio muita agressividade por parte dos fãs do cantor. Fiz contato com ele, não exigindo créditos, retratação, grana, nada disso, eu só queria que ele pedisse aos fãs que parassem de me atacar. Ele nunca respondeu e minha única esperança foi esperar a poeira baixar.
Tem prós e contras, já que eu me exponho demais, mas diria sem medo do exagero que 90% dos meus leitores me conheceram online.
A escrita é o seu único trabalho?
Sim, a escrita e o universo da escrita: oficinas, leitura crítica, resenhas… chamo de trabalho porque dá trabalho, porque do ponto de vista laboral, trabalho/recompensa, não tenho nenhum. Em alguns momentos recebo alguma remuneração, mas mesmo vivendo praticamente da ajuda de amigos, não voltaria a uma agência de propaganda.
O que te motiva a escrever?
O sangue. A literatura corre nas minhas veias; escrevo porque é isso que sou.
Sobre o que trata a obra “Eu também nasci sem asas”?
Fala de reinvenção e adaptação a cada fase da vida. Cada novo momento é uma morte seguida de um renascimento; a narradora tem o sonho de alcançar o céu e, nessa busca, muitas etapas são encerradas para começar outras com suas lições, para que a narradora pondere sobre seu sonho e como alcançá-lo.
Como surgi a epifania para os seus poemas?
Depende muito. As vezes é uma folha que caiu de uma árvore, as vezes uma criança brincando, as vezes é uma música, as vezes é o silêncio.
A poesia nasce quando quer.
Como foi a sua infância?
Tirando os livros, a descoberta da escrita e o colo da minha mãe, o resto merece ser esquecido.
Qual é o seu ritmo de trabalho? Você escrever todos os dias?
Meu ritmo varia por época. Se considerar post de face – e levando em consideração que escrevo posts enormes – escrevo todo dia. Já pensando em literatura, quem determina meu ritmo é minha bipolaridade.
Nos períodos de euforia escrevo muito e em alta velocidade; já cheguei a escrever dois livros em um único mês. O processo é muito insano porque acho que se plugar um cabo na minha cabeça, gero energia elétrica pra casa toda.
Quando a euforia acaba e vem a depressão, eu fico um longo tempo sem conseguir nem ler e nem escrever. É uma tortura, porque amo ambas as atividades, mas meu corpo não responde, fico inerte, a cabeça parece que para de funcionar.
O que mudou no seu processo de escrita do início para o momento atual?
Tudo. Escrevia porque gostava, porque achava divertido. Com o passar dos anos fui entendendo que aquilo não era uma brincadeira, que eu precisaria aprender a lidar com personagens e narrativas. Hoje dou aula sobre isso para jovens autores, para que entendam que literatura é trabalho e exige certos cuidados.
Amo ensinar, e digo de coração que se tornou muito mais gostoso escrever conhecendo todos esses aspectos do que era com 100% de liberdade.
Que mensagem você gostaria de deixar?
Arte é trabalho, cultura é futuro.
Artista não é vagabundo e merece ser remunerado. Cultura não é desperdício de dinheiro público, é investimento na promoção do bem-estar e redução da violência.
* Maya Falks nasceu canhota e num dia frio da serra gaúcha. Sensível de natureza, entregou-se às letras com pouca idade, sendo autora de 7 livros publicados, dona de uma pequena coleção de troféus e entusiasta da literatura brasileira contemporânea. Mas o que realmente importa é que ela não desiste de procurar a nuvem perfeita.