Eu te amo, confirma? – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Eu te amo, confirma?
De olhos bem fechados, deitada na areia da praia, escutava as ondas irem e virem sobre o meu corpo. A espuma do mar tocava primeiro a planta do pé para subir pelas pernas de tal jeito que pareciam acompanhar o fluxo interno dos meus líquidos. Minhas artérias e vasos linfáticos conduziam o sangue e a linfa na mesma direção. Ao coração e depois à cabeça e assim retornavam ao ponto do qual havia partido. O vento da orla, o som do oceano, a espuma na pele me carregavam para o fundo do mar. Não sei que lendas marítimas eram aquelas, mas já me via num azul reluzente, as escamas nas coxas, o cabelo longo e, principalmente, o êxtase de uma sereia ao seduzir um marinheiro, quando escutei “eu te amo”. Custou-me retornar ao quarto, sentir os lençóis da cama, o travesseiro apoiado na cabeça e levantar o pescoço para entender o que acabara de escutar. Com esforço subi o tronco e ali encontrei ele em declarações exageradas a minha boceta. Sinceramente, nunca havia passado por uma cena nem parecida. O cara em descaramento se desmanchando em elogios ao meu órgão genital feminino como se eu não existisse, ou melhor, como se uma parte do meu corpo representasse o meu todo. Não entrei na filosofia da coisa, como dizem por aí, orgasmo adiado é orgasmo perdido. Não não, a essas alturas, não sou besta de me perder nos preceitos filosóficos, o importante dessa vida é gozar, afinal de contas, sexo é isso mesmo, um processo individual que a gente pode ou não compartilhar.
Sinceramente, seria uma imensa burrice cortar o clima daquele cabelo castanho, amaciando a parte interna das minhas coxas, enquanto Quipa se empenhava numa cunilíngua fenomenal, em que uma língua parece ser mil línguas de anjos(ui!), movimentando-se na velocidade certa de lá para cá. O toque quase instrumental de quem tem habilidade em tirar a melhor música de uma arpa sentado na nuvem(ui!). A gente excitada diz cada coisa mais cafona! Essa poesia da alcova é a melhor poesia já inventada no planeta terra. Confirma? Sinceramente, se pedisse para parar, iria frustrar era meu clítoris intumescido e alerta. Relaxei e gozei, mas depois me senti ofendida, não quis abraçar Quipa, não quis beijá-lo, inventei uma desculpa e voltei para o meu apartamento. Tinha trabalho a fazer, é verdade, nada que não pudesse esperar, ainda mais nessa quarentena ferrada, em que o tempo virou outro e nos fez parecer uns idiotas atrás de coisas insignificantes. Seja como for, a filosofia da quarentena não me interessa, sou a mesma, a mesminha, eu apenas quero gozar gostoso, confirma? Mas em mim, algo despertou de tristeza. Quipa não me amava, Quipa queria apenas se deliciar e se divertir com os lábios avantajados da minha boceta. Com o perfume que ela exala quando me excito. Aliás, preciso confessar, tenho tesão em passar os dedos nela e depois cheirá-los, gosto tanto de sentir o aroma impregnante que fica na mente como se fosse single de balada popular. Gruda mesmo!
Passei o dia com isso martelando na minha cabeça, Quipa não me ama, e logo vinha outro pensamento, eu também não o amo, tudo bem, tudo bem. Estou quite com Quipa. O problema é que uma coisa é não amar o Quipa, outra é saber que o meu vizinho também está me usando nessa quarentena para aliviar o sofrimento do enclausuramento social. Sinceramente, é chato receber na mesma moeda, confirma? Mas será que o fato dele amar a minha boceta apenas, não faz disso o amor completo, visto que a minha boceta não consegue sair sozinha por aí, independente de mim? Um assunto para se trabalhar e discutir na sessão de terapia. Não posso concorrer com a minha própria boceta, afinal de contas, é ela que me dá o maior prazer que eu consigo nesse mundo. Tenho que resolver essa questão anatômica e psicológica antes da próxima transa com Quipa, confirma? Seja como for, ele só vai beijar a boceta se eu consentir e o prazer é, sobretudo, meu. Dele também, confirma? Nossa, esse “eu te amo” fez um estrago pandêmico na minha mente, as hipóteses se reproduzem atropelando umas nas outras e eu já não consigo nem mesmo pensar com clareza. Estava tão bom do jeito que estava, mas Quipa tinha que falar “eu te amo”. Confirma? Acho que esse isolamento está confundindo a minha cabeça. Confirma?