Fumaça onírica – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Fumaça Onírica
Tocava You Know I’m no good, no rádio, quando estacionei na garagem do edifício da empresa. De longe, do outro lado, enxerguei meu colega Kina parado entre dois carros, numa postura arqueada, quase esticado sobre o capo de um Audi preto. Desliguei o som e permaneci no carro sentada, observando Kina pelo retrovisor. Ele não notara minha presença, mantinha-se fixado, voltado em direção à porta da escadaria que conduz ao elevador do edifício, bem à direita. Kina era um bom colega de trabalho, sempre teve um comportamento exemplar, é o tipo de funcionário que usa os sapatos combinado com o cinto, tem um sorriso teclado de piano higienicamente branco e dispara seus sorrisinhos com precisão cronológica nas reuniões de equipe. Nunca houve fofoca envolvendo seu nome; pelo contrário, utiliza manobras para se desviar da intriga que os colegas contam na hora do cafezinho.
Por isso mesmo, encontrar Kina parado naquela posição no estacionamento é no mínimo curioso. O que ele estaria planejando? Desliguei as luzes do carro e abri a bolsa para pegar um cigarro. Estou tentando parar, mas ali, o que mais poderia fazer enquanto me dedico ao voyeurismo? Fumei. A primeira tragada depois de dois meses é sempre como se fosse a primeira tragada da vida, uma reconciliação com um antigo namorado, trazendo de volta a esperança no amor. Você esquece completamente da parte tóxica que fez você se afastar. Respira fundo e curte como se a vida se resumisse num único suspiro. Enfim, entre a fumaça em frente ao espelho e a escuridão do carro, vi Kina se abaixar quando a porta da escada se abriu. Sim, Kina estava em alguma missão ainda misteriosa. Já eram 8h30min da manhã, e eu tinha uma reunião marcada às 10h30min, o que me dava uma folga de duas horas para fumar e cuidar da vida do Kina, tempo suficiente para desenrolar a história e eu tomar provas contra o funcionário exemplar.
Da porta da escada, surgem duas mulheres descontraídas, soltando risos e cabelos aos ares. Kina dá uns passos para trás e some do meu retrovisor.
Enfim, ele escondeu-se por mais de dez minutos e quando retornou a posição de guarda, parecia diferente, não sei identificar o que havia mudado, a roupa era a mesma e aquilo me intrigou ainda mais. Abri novamente a bolsa e acendi o segundo cigarro. Tomei o cuidado de colocar o celular no silencioso, e me acomodei melhor na poltrona do motorista, arrumando o espelho retrovisor em direção ao Kina. Ele não se mexia, meia hora mais tarde, mais três cigarros e ele engessado no mesmo lugar. Pensei em sair do carro, ir ao encontro de Kina e perguntar o que acontecia, mas certamente ele me enrolaria com sua habilidade argumentativa. Iria me convencer da minha loucura, vendo coisas fora da realidade. Resolvi ficar no carro mais um pouco em posição de vigia.
Um homem apareceu na porta da escadaria e ele novamente se escondeu, dessa vez voltou antes dos dez minutos, contei no relógio. Fumei mais um cigarro e por fim resolvi averiguar meu WhatsApp. Das cinco mensagens, uma importante, a reunião das 10h30min havia sido cancelada. Teria mais tempo para desvendar o mistério do colega, mas por mais estranho que posso parecer, não sei relatar os fatos, porque ao descer a poltrona e me acomodar melhor para acompanhar a novela do colega, senti as pálpebras pesarem, o corpo amolecer e escutei a voz de Kina chamando pelo meu nome.
Ele segurava um copo de uísque, fumava um cigarro e me mostrava São Paulo da sacada do edifício Itália, estávamos no último andar. Havia escurecido e lá de cima a visão da capital era alucinante. Ficamos ali parados, os corpos lado a lado, até que Kina leva os dedos da mão direita ao meu peito e acaricia em pequenos movimentos o bico do seio sob a blusa. Pego o copo de uísque, tomo um gole e acho que aquilo me transtornou a cabeça, pois não lembro como fomos parar dentro do carro novamente, transando no banco de trás. Vejo agora Kina de perto como nunca antes havia visto. Ele com as veias do pescoço saltadas, os ombros largos, a pele macia, a boca quase aberta, e a cabeça voltada para minha boceta. Eu agora era a porta da escadaria, eu não, a minha vagina aberta, de frente para ele. Kina desliza a cabeça em direção à boceta e precipita a língua molhada ao encontro da vagina. Não sei o que dizer, porque nunca desejei Kina, nem nos sonhos de suruba que tenho com o pessoal do departamento. Kina nunca esteve lá, agora chupa minha boceta no estacionamento da empresa. Muito estranho, mas não paramos por aí, com os movimentos dos lábios e a da língua me fez gozar, eu desfaleço. Quando retomo a consciência, um pouco mais tarde, vejo-me novamente na cadeira do motorista. Confusa, verifico o retrovisor do carro, Kina não está mais lá, nem dentro do meu automóvel, nem em lugar nenhum. Pego o celular, são quase 10h30min, procuro a mensagem da secretária desmarcando a reunião, mas não há mensagem alguma. Pego a minha bolsa e desço correndo em direção a porta da escadaria. Não vejo nem o rastro do Kina, quando entro pela porta, resolvo me virar para trás, o Audio preto passa pelo estacionamento. Antes de subir, resolvo fumar mais um cigarro.