Grada Kilomba no Brasil – Por Sílvia Barros
TRAVESSIA é coluna reservada a poeta de mão cheia, Sílvia Barros
***
Há dois anos, na última Festa Literária de Paraty, o livro Memórias da Plantação, de Grada Kilomba, foi lançado e celebrado. Comprei o livro no dia em que cheguei à cidade e ele passou à frente de todas as leituras que estavam planejadas para aquelas férias. Ouvi Grada falando na Casa Poéticas Negras, mesma casa em que tive o prazer de participar como escritora no relançamento dos Cadernos Negros, volume 41. Novamente a vi na Flip:Flup, que aconteceu no Museu de Arte do Rio dias depois. Em ambas as ocasiões, estava rodeada por mulheres negras, tanto minhas amigas, com quem divido momentos de alegria e também de reflexão, como mulheres desconhecidas, mas com quem tenho uma forte relação de identificação pelo simples (e complexo) fato de sermos mulheres negras vivendo neste mundo. Me lembro de pensar algo como “hoje é um belo dia para ser uma mulher negra”.
Eu já havia lido alguns trechos de Memórias da Plantação em inglês durante a pesquisa do doutorado. Confesso que sou preguiçosa para ler em outros idiomas e mesmo tendo gostado muito do que li, não dei continuidade. Mais de um ano após a defesa tive a oportunidade de ter um exemplar da tradução e de ouvir Grada Kilomba dizer que, entre outras razões, escrevia em inglês porque a língua portuguesa expressa o machismo e colonialismo na linguagem de forma violenta. Um exemplo dado pela autora é a palavra sujeita, feminino de sujeito, termo que ela gostaria de usar para referir-se a si mesma ou a outra mulher, mas que nessa língua que uso agora trata-se de um erro gramatical.
Dois anos depois, julho outra vez, remontando os caquinhos da vida a partir de um corpo que não anda pelas pedras coloniais de Paraty nem de outras cidades contraditoriamente festivas, penso em como este tem sido um péssimo momento para assistir ao curso da história, principalmente no Brasil. Mas penso também que há dois anos, lá naquele dia em que eu estava radiante entre as minhas, ouvindo mulheres sábias nos ensinando a ser e a viver, minha alegria me impediu de ir além na reflexão…
Quem tem o privilégio de nunca precisar dizer “hoje é um belo dia para ser ________”?
Na parte final de Memórias da Plantação, eu leio: “O sujeito negro está preso em um estado de servidão permanente, na medida em que procura dar resposta perfeita ao sujeito branco”. Devemos pensar se servimos como ponte para pessoas que “terceirizam” seu processo de aprendizado passando por cima de nós, pisando sobre nossas cabeças e não caminhando lado a lado. Meu desejo é, sempre que possível, deixar a lacuna aberta, como uma proposta pedagógica mesmo, bastante tradicional. Preencha a lacuna.