“Lauren” narra terrores da juventude – Por Marilia Kubota
Na coluna quizenal “Outras faces”, Marilia Kubota publica resenhas jornalísticas sobre obras de autoras e autores independentes e da grande literatura, destacando escritos de mulheres não-brancas e de autoras e autores da diversidade étnica e sexual. Desta vez, o livro resenhado é Lauren de Irka Barrios.
Marilia Kubota é poeta e jornalista, nascida no Paraná. Autora dos livros de poesia Diário da vertigem (Patuá, 2015), micropolis (Lumme, 2014) e Esperando as Bárbaras (Blanche, 2012) e organizadora das antologias Um girassol nos teus cabelos – poemas para Marielle Franco (Quintal, 2018), Blasfêmeas: Mulheres de palavra (Casa Verde, 2016) e Retratos japoneses no Brasil (Annablume, 2010). É Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Em 2020, lança seu primeiro livro de crônicas, Eu também sou brasileira, pela Editora Lavra.
A imagem destacada na coluna é de autoria de Carlos Dala Stella.
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Lauren narra terrores da juventude
Há alguns anos se dizia que a literatura brasileira não tinha tradição em alguns gêneros, como a ficção científica e a literatura fantástica. Ambos os gêneros são considerados filões da literatura popular. A inclusão de novas categorias de premiação no Jabuti traz um novo olhar para o gênero. Lauren, de Irka Barrios, indicado para concorrer como finalista na categoria Romance de entretenimento em 2020, prova que pode romper paradigmas.
O maior dos paradigmas é o de que a literatura popular, de entretenimento ou voltada para um grande público, como o juvenil, abra mão da reflexão. Lauren (Caos&Letras, 2020), conta a história de uma adolescente que provoca mais do que alguns sustinhos. A personagem principal é uma jovem que vive numa cidade do interior do Brasil e tem que lutar contra vários terrores e fantasmas.
Um deles é a assombração da fundação da história da cidade, que guarda um mito sobre o casal pioneiro. Lauren torna-se obsessiva em desvendar esta história, especialmente a da mulher. A adolescente busca por uma identificação com um figura feminina, já que a mãe de Lauren não pode cumprir a função modelar. Por causa do alcoolismo do marido, Ivete busca apoio numa igreja evangélica. E este, que a princípio é um lugar de acolhimento, vai se transformando, aos olhos da jovem, em um espaço de terror.
A narrativa construída por Irka Barrios tem a moldura do romance de terror, de forma inteligente. desde a capa até os vários ganchos de suspense nos capítulos. Mergulhando na história , não há quem – adolescente ou adulto – não se identifique com os dramas da juventude. Irka coloca em sua protagonista as angústias de uma garota que faz descobertas sobre seu corpo e sua sexualidade, sem ter nenhuma figura de apoio a quem recorrer. Lauren se torna uma jogadora de luta livre para ser aceita em seu grupo.
Irka poderia ter como modelo Carrie, o best-seller de Stephen King. Mas preferiu contar uma história sob um ponto de vista feminista. Além dos bullyings que todo adolescente sofre em busca de pertencimento, a autora aposta na crítica social. Por não ter apoio em família, Lauren torna-se obsessiva pra descobrir a história de Inês, uma mulher que participou da fundação da cidade. Inês é detestada pela cidade, adúltera e envolvida com bruxaria. Ela evoca personagens femininas da literatura gótica, que representam a mulher como o Mal, ou como um lascividade censurada.
Dentro da história de formação do Rio Grande do Sul, faz pensar sobre Jacobina Mucker, protagonista da Revolta dos Muckers, episódio acontecido no fim do século XIX. Os muckers eram uma comunidade evangélica de caráter messiânico que se envolveu num embate violento com o governo federal.
Lauren busca, em vão, apoio para entender o florescimento de sua sexualidade. Só encontra vilões dispostos a massacrá-la. O que ela tem, ao final, é este fio de ligação com Inês. A autora aponta para o encontro do lado selvagem com uma libertação à repressão familiar e social. O enfoque indica que é possível subverter as normas de um gênero literário, construindo protagonistas e personagens femininas que dialogam com ideias contemporâneas.