Dez poemas de Leonardo Cattoni
Leonardo Cattoni nasceu em 1980, na cidade de Curitiba/PR. Mora em Belo Horizonte onde atua como tradutor e professor de língua Inglesa. Desde pequeno, por conta dos pais, tem contato com livros que adornavam prateleiras e povoavam criados-mudos. Nunca publicou nada. Escrevia e escreve para si. Escreve, aliás, para não aprisionar o bicho selvagem que corre, caça e ruge nas veias, para não coagular o sangue da imaginação, para não adoecer a sanidade. Escreve para não enlouquecer.
***
A-vi-a-dor
Quando eu era pequeno,
eu queria ser aviador
ah, eu queria ser aviador…
Então eu cresci e
Ah, vi a dor!
*
Fuga
É na calada
da noite
que os meus pensamentos
aprisionam
o meu sono
e fogem
para bem longe comigo.
*
O tato dos olhos
Eu quase
não enxergo nada
sem os meus óculos.
No entanto,
eu sempre os tiro
quando é
para enxergá-la melhor.
Não satisfeito,
aproximo-me ainda mais dela
e então
apago a luz.
*
O encontro
Ela correu
para fechar todas as janelas,
uma por uma,
todas da sua casa.
Trancou a porta com cadeado,
apagou a luz,
repousou e fechou os olhos:
só assim ele entrava,
ele a penetrava.
*
Introspecção
E tem muita gente
gente demais
Multidão.
E faz barulho
barulho demais
Tumulto.
E você permanece calado,
em silêncio,
inteiro, frugal e duro.
Com todo tempo e espaço
para pensar.
Ninharia.
Com todo tempo e espaço
para a convivência.
Solidão.
Com todo tempo e espaço
para perceber que o sapato do outro
está desamarrado.
E o seu também.
*
A vida a escorrer
Passar a vida
procurando o que fazer,
o que ser,
com quem estar
e não notá-la.
*
Clarice
Quando eu leio
Clarice,
parece que
Clarice
me lê.
*
Hiato
Quando
a noite passada
lhe rouba o dia inteiro,
penetrando
nos passos apressados do tempo
um só momento.
*
Amor clandestino
Ela
é todo
um oceano
subterrâneo.
*
O amor
O amor
é o músculo do fraco,
o canino
do banguela,
o manto do desnudo;
bandeira branca
em meio à guerra.