Meu coração remoto – Por Sílvia Barros
TRAVESSIA é coluna reservada a poeta de mão cheia, Sílvia Barros.
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Meu coração remoto
Rema o barco precário
E apertado
Da existência
Empilhada
Em salas virtuais
De reunião.
Minha alma atrasada
Quer controlar o tempo
Movendo
O presente
Para um momento que revem na frente
Apressando o futuro
Em que já estou.
Minha cabeça assombrada
Se enfia aflita nos confins
De livros
Acreditando que foge dos medos
Invisíveis
E palpáveis
Que berram – se cospem – monstrengos
Desmascarados
Misóginos
Racistas
Odiosos
Comprometidos com a morte e
Com o crime de ainda existirem numa obsolescência
Programada para ficar
No poder.
Os pronomes das pessoas
Me preocupam
E me iludem
Porque parece que o nós acabou
Tudo que nós tem é nós
Mas aí alguns de nós
Muitos muitas
Até demais
Morrem
E eu aqui vivendo sob esse céu
Com corpo, espírito, mente tudo num só
Compilado inacreditável
De vida que
Consegue rir
De uma piada na internet
Apesar de.
Meu corpo insiste em se cansar
E resiste a se mover
Quer que se arranque a casca grossa
Que um dia aprendi a tecer
Cuidar
Impermeabilizar
Acumular
Acalentar
E que agora me pesa os ombros.
Meu corpo todo tremula fraco
Como uma bandeira num mastro
Torto
Bambo
Enferrujado
E se inclina em direção ao chão
Onde talvez se encontre com uma terra fértil
Em que poderei depois de tudo
Remontar as bases do meu espírito.