Moscow Mule Ménage – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Moscow Mule Ménage
Morro deitada na rede estendida no meio da sala, três formigas caminham pela parede branca à frente. Tédio! Penso sobre o trajeto das formigas, de onde vem para onde vão e, sobretudo, como elas transam. Imagino a sensação de prazer ao roçar a antena de uma na antena da outra. Será que há penetração no sexo das formigas? Sei que a viúva negra come a cabeça do macho após eles copularem. Era isso que eu deveria ter feito com o Quipa, mas, boba que sou, quis poupar sua vida. Não deveria. Seja como for, quero sair dessa, Quipa mente, inventa doença, trabalho, reunião para sair com outra mulher, e eu não estou afim de participar de um triângulo amoroso. Poderia, é verdade, a menina até parece bonita, só que não. Afinal, posso ter outras tantas pessoas na minha cama, por que motivo me prenderia numa relação de falsidade?
Para mim, não é o número de pessoas envolvidas, mas o quanto elas são honestas umas com as outras. Quipa me trai e isso me tira o tesão. Poderia ser diferente, concordo. Laura, amiga das antigas, me contou um dias desses que ficou enlouquecida pelo ex-marido quando ele disse que havia beijado uma amiga deles em comum. Mais de sete anos separados, bons amigos, sem sexo, agora ela o desejava novamente. Partiu para cima e eles transaram. Aliás, segundo ela, a melhor transa deles, nada comparado ao sexo sem graça quando ficaram juntos por mais de dez anos.
Parece que é assim, é só entrar outro indivíduo na parada, que aquela pessoa desbotada do passado ressurge como o foco da libido. Enfim, não comigo, não sigo o padrão, sinceramente, esse tipo de situação me faz perder a vontade na pessoa, não desperta em mim nada além do desprezo. Disse para Quipa como funciono, mas ele não me deu ouvidos, ou o seu desejo é justo o da traição. Enrolar uma aqui, outra lá, e se sentir o macho esperto. Tudo bem! Aceito, mas este jogo não é o meu.
Pulo da rede, tomo banho, visto a melhor vestido sapato batom. Sábado tem Scar Bar, na esquina de casa. Desço do apartamento por volta das nove horas da noite, sozinha, sem celular, sem avisar amigos. Às dez horas, já no segundo Moscow Mule. Troco ideia com o barman, enquanto um clipe psicodélico rola no telão. À volta, ninguém interessante. Pessoas bebem sozinhas. Aliás, é uma festa de solitários. Triste! Ninguém se olha. O barman ainda fala, conta de uma série na Netflix, finjo que me interesso para parecer simpática. Penso em Quipa, a essas horas deve ter a cara mergulhada na boceta da menina. Falo de outra série que assisti faz um tempão. O barman escuta, mas não interage. Então, resolvo inventar umas cenas, trago mais erotismo, mais ação. Peço o terceiro drink Moscow Mule.
Os espelhos do salão flutuam, as luzes giram de um lado ao outro do salão. Ninguém interessante. Conto ao barman da relação amorosa das protagonistas da série de TV. Invento, na verdade. Ele se põe a escutar, enveredo pornografias, o barman se aproxima, não diz nada. Percebo seu estado. Eu também me excito e por um momento me pergunto que diabos estou fazendo. Enfim, resolvo não levar a cena em frente. Lento-me em direção ao banheiro. “Já volto”, digo, me explicando.
No banheiro, não há ninguém. Meu aspecto no espelho me denuncia. Tenho que dizer a verdade, Quipa me confundiu, pensei que havia sentimento, só que não. Enfim, vamos à noite. Entro numa das portas do sanitário e logo escuto entrarem pela porta do banheiro. Trocam confidencias intimas. “Quero chupar você toda”, a voz masculina alerta. Sentada no sanitário, imagino o casal. Recordo do dia que me masturbei na escada do prédio vendo Quipa comer a mulher. Não, não quero virar uma voyuer, de novo não. Gemidos! “Me come o cu”, a voz de uma mulher grita. E eu não consigo me conter. Recolho os pés para cima do tampo do sanitário para que não me notem e, com delicadeza, giro a maçaneta da porta. A mulher descabelada beija as veias saltadas do pau do cara. Pelamor!
Subo no sanitário para enxergar melhor. Na fresta da porta, a bunda do cara sumosa movimenta-se num compasso circular. Graça! Não me aguento e decido me atirar no corredor do banheiro, quase aos pés do casal. Eles continuam na pegação e eu me achego, subindo aos poucos pelas pernas da mulher. Conexão. O casal me puxa e me leva para junto deles. Chupamos juntas o pau do homem, às vezes ela, às vezes eu e assim transamos as duas. Não recordo direito o rosto do cara, mas posso descrever com exatidão a tonalidade do bico do peito da mulher, assim como toda a sua anatomia. A cintura marcada, a tattoo de sereia na coxa esquerda, a pinta saltada no pescoço junto com as gotas de suor. Oceano e seu sal, de peixes saltitantes em minha boca. Gozei nas mãos da mulher.
Não lembro se o homem gozou, recordo dos sussurros dela. Depois, voltei para casa ainda alucinada pelo Moscow e pelo sexo com os desconhecidos. Não trocamos WhatsApp. Ninguém ali fez questão. Saí às pressas, sem o barman me ver. Quando por fim cheguei no andar do meu apartamento, pensei em bater na casa de Quipa, mas exausta, deixei para lá.
(Ilustração de capa Fernanda Bienhachewski).