Mulheres e memórias curtidas em um pouquinho de aguardente – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora”, Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê. A coluna irá ao ar sempre no último domingo do mês.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Mulheres e memórias curtidas em um pouquinho de aguardente
Licor de pequi (Marithê Azevedo, MT, 2016, 15′, classificação indicativa livre)
Em agosto temas ligados ao universo feminino estiveram em foco, como o combate à violência contra as mulheres e o dia da visibilidade lésbica (29/08). Por isso, gostaria de apresentar aqui um texto engajado e com discussões profundas. Mas, o caos da pandemia, somado às agruras de “padecer no paraíso” não me permitem. Sendo assim, para cumprir com o compromisso mensal da coluna Sonora, propus algo mais leve, só que nem por isso menos feminino.
Três mulheres, três histórias que se cruzam e três camadas de memórias são alguns ingredientes do aromático Licor de pequi, curta de Marithê Azevedo, que se passa no centro histórico de Cuiabá e revigora este local, um tanto quanto esquecido da capital mato-grossense.
A produção é uma das que compõe a temporada de filmes online do Cineclube Coxiponés, em parceria com o Cineteatro Cuiabá, que celebra o agosto lilás de combate à violência contra as mulheres. E pode ser acessada em Temporada de Filmes Online – Agosto Lilás – Combate à Violência contra Mulheres.
É possível que os estudos e pesquisas sobre a cidade realizados pelo Coletivo à Deriva, coordenados por Marithê, como é mais conhecida, tenham inspirado a diretora na composição do roteiro, que evidencia em cada detalhe, o afeto envolvido na produção desta ficção. Um exemplo é o modo como costura as ligações entre as personagens e destas com o cenário em questão. O manusear das palavras é outro elemento de conexão, que a meu ver, torna ainda mais saborosa a degustação deste licor.
A fotografia alegre, bem iluminada e colorida, proporcionada uma leveza encantadora na maioria dos momentos, vide os momentos em que a menina (Maria Flor Leite Lima) solta pipa, assim como emocionante em algumas cenas específicas, com destaque para as de Lúcia Palma, que, aliás, nos toca e faz refletir profundamente, por meio da metalinguagem, sobre as coisas esquecidas nos cantos da memória, da casa e da cidade.
Nada mais apropriado para este período de extrema secura, do que se deliciar com o saboroso licor de pequi.