Mulheres na Literatura (Curadoria) – Mara Magaña
Na coluna Mulheres na Literatura (Curadoria), programada sempre para o último domingo de cada mês, Vanessa Franco realiza uma seleção de textos de uma autora, sejam poemas, contos ou crônicas, para revelar a vastidão estilística e temática do mundo literário produzido por mulheres.
Mara Magaña é poeta, escritora, jornalista, não necessariamente nessa ordem. Participou do primeiro coletivo de que se tem notícia, o Fruto Mulher, em 1982. De lá para cá, participou de coletâneas diversas. Irá lançar um livro de poemas e outro de contos em 2022.
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casamento
a mãe não teve igreja
no casamento
bênçãos de um deus caro
nem vestes brancas
anunciando a pureza
aos quatro ventos
o pai comprou terno
à prestação do turco moisés
encomendado dias antes
a mãe ganhou vestido da mãe
reformado mas bonito
sem saia rodada
não carecia tanto pano
estampadinho e cintura bem marcada
a marca da meia a lápis perfeita
os cabelos presos em cachos
e um pouco de pó de arroz
realçando os olhos verdes
no caminho a pé até o juiz
também não houve bolo
mas a mãe não estranhou
nunca tivera nos seus 14 anos
completados mês anterior
e o irmão pequeno quase filho
estava lindo de marinheiro
a mãe só ficou triste
por causa da mãe ausente
por mãos do destino
o irmão meio pai do pai
assinou como padrinho
e a tia, aurora como aquele dia
foi a madrinha
as testemunhas olhavam o relógio
tanto a fazer e aquele sol quente…
o pai queria tirar o paletó
soltar a gravata
não antes das retratos disse a mãe
não há imagens desse dia
de um novembro tão distante
alguém esqueceu o filme
e a mãe precisava voltar
alimentar pai irmãos parentes
e o agora marido
: arroz frango com quiabo
e couve-flor bem fritinha
que o dia era de festa
*
lilith
amo-te
desde o primeiro trovão
que me acordou
do sono plácido
da letargia
das vidas insossas
amo-te
antes dos tempos
imemoriais
onde a saudade
ainda não tinha
fincado trincheiras
amo-te
com a felicidade
do cantar dos pássaros
com o alarido das maritacas
que anunciam o cio
despudoradas
amo-te
como as tempestades
que tudo arrasam
e os tsunamis
irascíveis tresloucados
que tudo inundam
.
.
.
amo-te
como lilith revisitada
com a morte nos lábios
e a piedade nos braços
balouçando a uma
cantiga de ninar