não venha mais
como se arrastasse correntes pelos olhos
entrou na casa soturna
sem soluçar, sem deixar-se sobre nada
esfregou contra a mesa
um bilhete de papel que trazia entre os dedos
três palavras escritas…
o atrito do papel na madeira
o atrito da mão na face dela
o lápis borrado como olheiras
ressoavam juntos a mesma agonia
…”não venha mais”
a última letra
riscada com tanta impiedade
atravessava a folha já úmida
era uma última atenção
que abandonava em lugar nenhum
qualquer coisa delas duas
arranhou o vidro da janela
duas unhas quebraram
do outro lado, a rua muda
beliscou-se, tocou-se
sua pele fria
ainda era quase tudo tanto faz
tudo quase com o mesmo gosto
as pálpebras borravam as mãos
as mãos esfregavam o bilhete na mesa
e com o lápis de alumbrar o olhar
ela riscava
no verso da dor
“(…)
e são
horas mortas
nós vencidas
cada nota dessa lamúria
dá cor a minha sangria
ritmando a farsa dela
e no embalo do que nos toca
entrando pela fresta dessa porta
sinto a amargura apertar
entregue e pedante ela
emparedada eu
presa na minha mania de amortecer
e enquanto ela se vai em tempo
peço perdão, mais uma vez, ao medo”