Nove poemas de Marize Castro
A poeta Marize Castro (Natal/RN, 1962) é autora dos livros de poemas Marrons Crepons Marfins (1984); Rito (1993); poço. festim. mosaico (1996); Esperado ouro (2005); Lábios-espelhos (2009); Habitar teu nome (2011), A Mesma Fome (2016) e Jorro (2020). Sobre ela, escreveu Nelly Novaes Coelho no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras: “Poeta em tom maior, expert em Comunicação, jornalista, editora e uma das fortes vozes femininas da poesia brasileira contemporânea, revelou-se em livro, em 1984, com a publicação de Marrons Crepons Marfins que surpreendeu crítica e público pela força e originalidade de sua palavra”. Sobre Marize Castro, afirmou Haroldo de Campos: “Em seus versos há algo de fundamental, algo entre o belo e o verum, a verdade em beleza, um cuidado especial com a síntese, um encontro com a poesia”.
O poema “Querela” integra o livro Marrons Crepons Marfins (1984); “Inteira”, “De veludo e sangue” e “Suspensa” pertencem ao livro Esperado ouro (2005); e “Amo”, “Cássia. Janis. Nina”, “No lugar de uma prece”, “Sob o sol imóvel” e “Aquela que tudo vê” integram A mesma fome (2016).
***
Querela
Minha farsa
é sábia
sóbria
com ela vivo
enfrentando as feras
misturo as tintas
para em seguida
abandonar a tela.
A loucura está a alguns
passos de mim
(não me confunde)
e me observa
com o olhar de prata
que só habita
os cúmplices.
*
Inteira
Iluminada por oráculos
alimento anjos com asas quebradas.
Não é de vendaval que eu preciso
mas da língua do amor guardada à beira-mar.
Não entendo de círios
mas de verões e sargaços bailarinos.
Acolhida pela província,
arrisco-me a enlaçar orquídeas em árvores.
Sempre sofri.
Sempre tive febre.
Sempre estive inteira em todos os infernos.
Nunca quis ser abandonada.
Mas aprendi a perder.
O naufrágio me ensinou a ternura dos afogados.
*
De veludo e sangue
Porque declino do seu amor, o véu das torres me invade.
Já engoli espermas. Já voei muito alto.
Aos santuários de meninos-lodos e meninas-ostras.
Neste hemisfério, o tempo é vermelho.
A fé: andrógina. A inocência: anônima.
O amante: cego e corcunda.
O meu leite rega a flor que o inimigo trouxe.
Aqui não há solidão
há bosques de lágrimas
unicórnios reunidos para falar de amor
aranhas flutuando num mar
de veludo e sangue.
*
Suspensa
Oráculos me suspendem.
Ouço o Amor chamando.
Em cada país um diferente unguento
para suportar a viagem.
O desejo é a curva.
O grande véu com o qual me cubro
– e prossigo.
Se você não voltar
os bailarinos ficarão órfãos.
Se você não voltar
a vertigem será silenciosa.
E não será o fim.
Será o início do grande segredo.
*
Amo
Eu disse
que não me moveria daqui
antes de ser curada
pelo seu olhar
seu andar
seu furor
seu esmorecer
seu partir
e ficar
Eu disse que lamberia seus testículos
e beijaria sua vulva
sumiria no mundo
me transportaria para um outro
para uma esfera menos hipócrita
menos tola
e ainda assim
sedenta
Eu disse
mas os tártaros chegaram
e nos arrastaram
para um país de lestrigões e ciclopes
ao encontro dessa sombra mínima
adormecida sobre leves
e pesados bíceps
(inútil veludo
a velar
nossas minúsculas
mortes)
Eu disse, eu digo: amo
Lá fora, incansável, a servidão
Adormece
*
Cássia. Janis. Nina
Deliciosas mortas cantam nesta casa.
O delicado espelho revela
o que se apagou por hipocrisia
acidez
babaquice
indulgência
horror.
Deveríamos vir aqui mais vezes
neste lugar onde a gentileza
é uma montanha que desmorona
e se ergue a cada festa
devolvendo aos olhos do mundo
o pequeno-grande sol
– seu primeiro filho.
Somente aqui
(não mais em nenhum outro lugar)
deliciosas mortas reinventam
a vida.
*
No lugar de uma prece
Mulher-faca, onde fica sua morada
sua casa de seda e címbalos
construída antes do início dos mundos?
Quais bombas destruíram aquelas paredes
de silêncio e gozo quando éramos somente
alegria e luz, quando nenhuma dor nos atingia
e somente a beleza enamorada
derretia-se em gentileza sussurrando:
O que existe já havia existido.
O que existirá, também já existiu.
*
Sob o sol imóvel
Agora sei que a terra distante
é o feroz destino
Envelheço com o desejo de ir lá
provar-me em outro sexo
orar na sepultura do mesmo anjo
que me ensinou a perder tudo
*
Aquela que tudo vê
Ela está mais veloz.
Desnuda-se cega em velhos cárceres.
Somente sem olhos pode ver
o que a morte esconde.
Ainda ouve na noite:
Ela está velha, não é mais menina,
não menstrua mais, deixou de sorrir,
não sabe mais chorar.
Engano.
Seus olhos dizem:
A vida é um sino.
Cada badalar com sua lágrima
seu éter, seu hino.
mARIA AUZERINA DE FRIETAS
oUVIR marize castro é escutar o murmurio do mar.
UMA MULHER LUZ E VERDADE. NUA E CRUA REALIDADE DE TODA LIBERDADE.
mEUS APLAUSOS.
auzeh freitas
Poeta Pernambucana
Corujão da poesia do rio de janeiro,
Embaixadora em PE.