“Nuvem colona” de Gustavo Matte: uma resenha de Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite nasceu em São Paulo em 1993. Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Integrou o Printemps Littéraire Brésilien 2018 na França e na Bélgica a convite da Universidade Sorbonne. Tem dois livros publicados Samba no escuro (2013, Scortecci) e A repetição dos pães (2017, Editora 7Letras). Além do livro de contos Terra trêmula, no prelo.
Gustavo Matte (Chapecó/SC) é escritor e crítico literário. Coordena e produz conteúdo para o blog https://entrevistaacena.wordpress.com/ . Publicou, em 2017, o romance Demo Via, Let’s Go! e o ensaio literário Menos Tropical e Mais Tropicalista. Nuvem Colona (Caiaponte, 2019) é seu livro mais recente.
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Toda nuvem vai chover
Imagina reunir os principais nomes do Movimento Modernista ou da Tropicália num livro de entrevistas, contando com o afastamento necessário dos anos, para falar de detalhes antes desconhecidos do público. É isso o que faz Gustavo Matte ao escrever Nuvem colona (Editora Caiaponte, 2019).
Situado na década de 2030, o livro é o resultado de dois meses de entrevistas feitas por Gustavo Matte com os membros da Nuvem Colona, movimento artístico do Sul do Brasil surgido nos começos do século XXI. Poderia ter dito movimento fictício, mas Matte desde o começo deixa de sobreaviso a noção de realidade e ficção ao compor a partir de si mesmo uma tríade que é ao mesmo tempo una: o autor empírico Gustavo Matte, o Gustavo Matte personagem que realiza as entrevistas, e o Gustavo Matte membro da Nuvem Colona sob o nome de R. Mutt.
Esse jogo de espelhos é apenas um dos bons artifícios que Matte utiliza para a construção da obra. Leitor de quadrinhos, de Oswald de Andrade e conhecedor da Tropicália, percebemos essas influências tanto na estética do livro (recursos gráficos, ironia, piadas, elementos kitsch, situações absurdas narradas pelos entrevistados) como na própria ficcionalidade da obra, uma vez que também os “personagens” compartilham dessas e de outras referências (basta ler os textos atribuídos aos membros da Nuvem – escritos também por Matte – para constatarmos isso).
Mas o aspecto mais importante, eixo de sustentação da obra, é a tentativa de Matte de pensar num movimento artístico do Sul que tratasse de questões bem particulares daquela região e a impossibilidade de se formar um grupo homogêneo – o livro mesmo revela que nem todos os membros tinham o mesmo grau de afinidade com certos temas, assim também parece ser na realidade. Ao localizar o livro no futuro, fazendo que o que está sendo contado esteja muito próximo do presente da escrita de Nuvem Colona (décadas de 2000 e 2010, principalmente), o autor reflete sobre fatos que poderiam ter ocorrido e obras que poderiam ter sido escritas (algumas foram mesmo, como o Demo via).
Ao ficcionalizar esse movimento, percebe-se não apenas o trabalho de invenção, mas também de observação de seu tempo, não há uma grande utopia no que Matte escreve – as próprias entrevistas deixam claro que nem tudo aconteceu do jeito que foi visto por quem esteve de fora, retirando certo ar imponente que muitas vezes atribuímos ao que não vivemos.
Há por parte do escritor o desejo de que esse movimento exista (pois importante sim pensar na questão do Sul europeiamente colonizado e em seus desdobramentos para o momento atual) e ao mesmo tempo esse movimento já vem ocorrendo, basta observar que a própria editora criada por Marcelo Labes (Caiaponte, alusão à ponte Hercílio Luz, que liga a ilha de Florianópolis ao continente, atualmente interditada) traz no nome a vontade de implodir certas estruturas viciadas. Basta pensar que os três títulos que inauguram a editora – Paraízo-Paraguai, de Marcelo Labes; Lugares ogros, de Telma Scherer; e o próprio Nuvem Colona, de Matte – são livros que se ambientam e tratam justamente de questões que o movimento Nuvem Colona trataria. Acho que a realidade copiou a ficção ou foi o contrário? Afinal tudo se copia, daí a escolha perfeita da epígrafe do livro: Copiar é vida.
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GUSTAVO
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