O Peso do Pássaro Morto – Por Vanessa Franco
Na coluna mensal “Mulheres na Literatura”, Vanessa Franco aborda entrevistas com escritoras, resenhas de livros, publicação e análise de poemas e traz novidades do mundo literário envolvido por mulheres.
Vanessa Franco é professora de teatro, atriz, palhaça e poeta paraense.
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Título do livro: O Peso do Pássaro Morto
Gênero: Romance
Autora: Aline Bei
Editora: Nós
Ano de publicação: 2017
Número de páginas: 165
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O Peso do Pássaro Morto, de Aline Bei, conta a história de sua personagem dos 8 aos 52 anos de uma forma profunda, delicada e intensa e vai trazendo à tona as dores, saudades e desilusões que a sua personagem vive no decorrer de seus dias. Descreve as perdas como a morte física e também a morte em vida que não percebemos, que, ao longo de nossa caminhada, vamos nos perdendo de nós mesmo em algum instante da vida. O livro em si busca talvez a cura para essas dores da alma, do corpo e dessas coisas que ainda não sabemos, mas está ali no instante bruma e para essas respostas adormecidas.
“A ideia central do livro, de que a cura não existe, a cura para a dor, para as perdas, para o vazio, se por um lado parece responder aquela pergunta inicial, por outro parece apontar para o fato de que a vida se resolve mesmo vivendo’’, diz-nos a orelha de Micheliny Verunschk.
Lendo, fui percebendo que Aline Bei constrói sua prosa poética, povoada por imagens, sem nem uma figura, no entanto, através da sua escrita bem elaborada e dilacerante, conduz o leitor a criar essas imagens do cotidiano pelo fato da poética desenvolvida ser bem envolvente e profunda ao longo do livro. Podemos perceber em um trecho abaixo a poética mencionada:
“Seu Luís é um velho sábio com cheiro de grama. Acho que o desodorante dele é verde e o corpo deve ter uns 100 anos de tanta ruga na pele toda, um homem tartaruga”.
Dona de uma narrativa que mescla densidade e leveza, a prosa de Aline é simultaneamente claridade de vidro e ponta aguda de faca, diz-nos a orelha de Micheliny Verunschk.
Analisando a afirmação acima de Verunschk sobre a poética de Aline, podemos concluir que a escrita da autora é impactante e povoada de silêncio com marés profundas, já que acompanhamos as dores que essa mulher carrega de uma forma bastante dolorida e comovente. No decorrer da leitura, não temos como não nos envolver com a personagem, pois, logo nas primeiras páginas, sabemos que vamos nos emocionar do início ao fim do livro.
É um romance que trata de assuntos bastante delicados como a morte, a gravidez indesejada, a violência sexual, o bullying, a depressão e a sensação do vago. Em uma passagem do livro, fiquei bastante emocionada com a personagem, em que ela descreve o bullying de forma comovente, com extrema profundidade de alma:
“- Você
não é bonita.
e pra Ana diziam:
– Você é bonita.
teve uma vez que eu fiquei no espelho
olhando a minha cara e a Ana na pia do lado,
olhando a dela.
eram caras muito parecidas
dois olhos no mesmo lugar, cabelo na cabeça, dentes.
a Ana dizia:
– Vamos?
e as pessoas iam.
eu
quase nunca usava plural fora de casa.
comecei a pensar que quem sabe eu poderia Ser
Mais
Como Ana e comprei um tênis igual.
todo mundo reparou. Riram do meu pé dizendo:
– é cópia.
Riram muito
do meu pé me apontando
dedos, fizeram 1 roda em volta de mim.
eles Giravam gritando é cópia, gritando
é feia,
pensei que morreria igual a Carla, será que aquilo era morrer?”.
A partir do trecho acima já podemos perceber que O Peso do Pássaro Morto é sobre as sombrias dores que carregamos por anos e no instante de água, ou seja, de um choro adormecido, derramamos essas águas sombrias em algum lugar. É uma obra muito dilacerante e delicada, e enquanto estava ali envolvida com a leitura, fui sentindo as dores da personagem e, em alguns momentos, rolaram lágrimas e precisei me distanciar para tomar fôlego e voltar a mergulhar no peso da perda e do silêncio que o romance nos proporciona.
O romance é desenvolvido em capítulos, de acordo com a idade da personagem, nos quais nos deparamos com acontecimentos importantes. O Peso do Pássaro Morto nos faz refletir sobre a morte, as perdas e o silêncio que rodeia essa mulher. A obra é escrita em primeira pessoa e, dentro da literatura de Aline, encontramos a forma da prosa e da poesia, fazendo com que o leitor se sinta atraído pela leitura de uma forma mágica.
Ao terminar o livro, considerei-o de uma beleza poética intensa e profunda, já que cada folhear é um suspiro de alma, um respirar e uma pausa para nova leitura. A sensação que tive é que o romance de estreia de Aline Bei precisa ser lido com cuidado, reverência e calma, pois é bastante denso, tratando de dores invisíveis e de um caos que ninguém vê. A personagem da história tenta a todo instante não sucumbir sozinha com a dor, mas se restabelecer com toda a fragilidade que lhe cerca.