O relicário de Leila Guenther – Por Marilia Kubota
Na coluna quizenal “Outras faces”, Marilia Kubota publica resenhas jornalísticas sobre obras de autoras e autores independentes e da grande literatura, destacando escritos de mulheres não-brancas e de autoras e autores da diversidade étnica e sexual. Desta vez, o livro resenhado é Parte homólogas (Reformatório, 2019), de Leila Guenther.
Marilia Kubota é poeta e jornalista, nascida no Paraná. Autora dos livros de poesia Diário da vertigem (Patuá, 2015), micropolis (Lumme, 2014) e Esperando as Bárbaras (Blanche, 2012) e organizadora das antologias Um girassol nos teus cabelos – poemas para Marielle Franco (Quintal, 2018), Blasfêmeas: Mulheres de palavra (Casa Verde, 2016) e Retratos japoneses no Brasil (Annablume, 2010). É Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná.
A imagem destacada na coluna é de autoria de Carlos Dala Stella.
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O relicário de Leila Guenther
Partes homólogas (Reformatório, 2019), de Leila Guenther, reúne vários escritos, a maior parte narrativas curtas, em que a autora aborda temas muito diversos. Os escritos – contos, crônicas e poemas – dividem-se em três partes: “Fora”, “Sobre” e “Dentro”, que parecem dispostos como num relicário.
O conto-título poderia ser a tentativa de reunir partes díspares num só corpo. Ou a metáfora da impossível convivência entre semelhantes que não podem se separar. Mas é apenas a história de gêmeos siameses, e de como a deformação genética foi explorada como atração circense, em séculos passados. O conto aponta para a prevalência do espetáculo, em detrimento da individualidade.
Esta chave, a que indica o exterior, a exposição, está em vários escritos da primeira parte, como “Díptico”, “Das perdas”, “Hora marcada”, “Assalto”, em que se investe ou no travestimento masculino, ou se reflete sobre relacionamentos destrutivos , como em “Romã” ou “Viagem”.
A segunda parte do livro traz histórias derivadas de leituras de cânones da literatura: de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, A Metamorfose, de Kafka, O Livro do Travesseiro, de Sei Shonagon, A causa perdida, de Machado de Assis, entre outros.
A terceira parte reúne contos mais subjetivos. Paradoxalmente, é aí que a autora se mostra mais, mesmo que em literatura, tudo seja ficção, até a autobiografia ou a memória.
Leila Guenther é natural de Santa Catarina. Já publicou Viagem a um deserto interior (poesia), finalista do Prêmio Jabuti, O voo noturno das galinhas, traduzido para o espanhol e editado em Portugal e Este lado para cima, em edição cartoneira.