Oito poemas de Evaldo Balbino
Evaldo Balbino (1976) é poeta e escritor. Nasceu em Resende Costa, Minas Gerais, e vive desde 1995 em Belo Horizonte. É licenciado em Letras, mestre em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde é professor de Português e pesquisador de literatura. É membro da Academia de Letras de São João del-Rei (ALSJDR), onde ocupa a cadeira no 1 cujo patrono é o político, escritor, professor e advogado provisionado Severiano Nunes Cardoso de Resende (1847-1920). Tem crônicas, poemas, contos, artigos e ensaios de crítica literária publicados em antologias, suplementos literários, jornais e revistas acadêmicas. Assina, desde 2009, a coluna “Retalhos Literários” do Jornal das Lajes (www.jornaldaslajes.com.br). Já recebeu diversas distinções literárias, destacando-se o Prêmio Edital Estímulo às Artes do Suplemento Literário de Minas Gerais em parceria com a Fundação Clóvis Salgado em 2005, o Prêmio Braskem da Academia de Letras da Bahia em 2012, o Troféu MG Cultura em 2013, o Prêmio Humberto de Campos do Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ) em 2014 e o 3º lugar no Prêmio Saraiva de Literatura em 2014. Obras publicadas: Moinho (2006 – poesia), Móbiles de areia (2012 – crônicas), Filhos da pedra (2012 – poesia), Amores oblíquos (2013 – contos), Os fios de Ícaro (2015 – romance), Apesar das coisas ásperas (2016 – crônicas), Fantasma de Joana d’Arc (2017 – poesia). Pela ediotra 7Letras foram editados os títulos Amores oblíquos, Apesar das coisas ásperas e Fantasma de Joana d’Arc. Para contatos com o autor e mais informações sobre seus trabalhos:
E-mail: evaldo_balbino@yahoo.com.br
Blog: https://evaldobalbino.blogspot.com.br/
Site: http://www.evaldobalbino.com.br/
Facebook: http://www.facebook.com/evaldobalbino
Currículo Lattes:http://lattes.cnpq.br/4498200084762279
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O fardo da lavra
O lavrador
não lavra a dor.
A dor lavra
o lavrador,
sua cor,
sua flor,
seu fulgor.
Mas não o seu amor.
(Do livro Moinho – 2006)
*
A outra face do Rio
A Cidade do Cristo
é um rio sem água,
sem peixe e regaço.
E, entre monumentos,
os pés se afundam
num rio de cimento armado.
A luz de suas noites
suplanta a lua nua das matas.
E elétricas
e nuas pelas suas ruas vão as pessoas.
(Mas não está sozinha,
pois nos flancos da cruz em que a pregaram
há também outras águas inexistentes.)
(Do livro Moinho – 2006)
*
Ônibus nosso de cada dia
Ônibus nosso que estás
passando todos os dias
cheio de pernas e olhos,
a cada dia perfazes
os caminhos sinuosos.
E os olhos e as pernas querem
o que não dizes passando.
Ônibus de cada dia,
entre concretos e postes
e os ratos do escuro esgoto
nas vias subterrâneas,
a levar-nos sem parada
num trajeto que não finda.
O que levas inumano
são os corpos e os desejos
rastejando como os ratos
inroíveis desta vida.
Não te pedimos, ó ônibus,
os itinerários outros.
Não te pedimos a vida
nem palavras nem confortos
nem o ouro nem a prata;
mas a força, não dos mortos,
sim da vida que nos falta.
(Do livro Filhos da pedra – 2012)
*
Paraíso inexistido
A terra que me cabe,
e de que preciso,
me basta;
mas mesmo assim ela tem jogado
terra nos olhos do tempo:
Adão teve de ferir a terra,
assim foi determinado,
mas é a terra que tem ferido o homem,
de uma ferida mortal e agrária,
nunca reformada pelo tempo.
São imagens, pinturas expostas?
São o belo à vista de todos?
Como podem sê-lo,
se o que são não é arte
e apenas têm parte na publicidade?
A parte que nos cabe
se não nos cabe a terra,
a dor que nos invade
que como terra aterra,
guerra,
Eldorado (antiparaíso)
de Carajás:
segue a procissão.
Segue e chora
seus mortos,
sua terra que nunca foi sua.
Entre os estáticos corpos
vai incógnito o “n°08”,
sem nome, sem rosto,
sem vida, sem-terra.
O sangue, que o envolve,
ainda é quente,
e batiza-o de um nome:
terra-sem-tempo.
(Do livro Filhos da pedra – 2012)
*
Proclamação
Meus olhos abertos, apesar de tudo,
não pedindo perdão
por não dormirem o sono dos justos,
te proclamam, ó deus desertado!
Exilado das molduras nas paredes
e dos corações dogmáticos.
Proclamam o que, desorganizado,
te retrate em perfeição de destempo.
O que em linhas mal rimadas,
de traços maus,
fuja às traças e às felinas línguas
de quem é sábio e bibliômano,
maníaco de defeitos.
Os versos que se vão te proclamam,
ó deus reverso e reversa forma,
a inversa de Bilac
e para Cabral o mal.
(Do livro Fantasma de Joana d’Arc – 2017)
*
Do fantasma
Não a quimera da exaltação.
Não o espectro do outro mundo
– alma atormentada a esmo
esmolando orações e perdão.
Não a pessoa macilenta, magra,
ser futuro do que se é então.
Não o espantalho entre milharais,
assombração de corvos
em fome escurae solidão.
Não a imagem sobrenatural.
Nem sombra nem visão medonha
ataviada de névoa e escuridão.
Mas sim a imagem permanente,
boa e má, de sete faces.
O símbolo e sua orgia
dúbia, múltipla, amante.
Sim: a imagem inconteste,
a lembrança, a história, a fantasia
que se tecem em nossa mente.
A imagem que se molda a esmo
conforme o desenho do desejo.
Fantasma não é o que aparece
quando o medo é persistente.
É a figura que permanece
e se desdobra mutante.
Aparição intermitente
nos desvãos da vida.
(Do livro Fantasma de Joana d’Arc – 2017)
*
Domrémy
A casa, a igreja, o cemitério,
santas Margarida e Catarina,
santos sorrisos voejando
sobre as flores presas no jardim.
Miguel Arcanjo e sua seriedade,
sua autoridade delicada.
O Rio Mosa, a ronda de fadas
rente aos carvalhos encanecidos,
as raízes do fundo do tempo.
A árvore das fadas, a faia,
a copa de prata e magia,
o brilho do sol, a sombra,
o sombrio destino, o dom
sobre mãos dadas dançando.
As colinas e suas histórias,
seus lobos, encantamentos,
um bruxo profeta e forte
guardado certo na memória.
A menina apascenta as ovelhas,
espanta os lobos e lhes chora
a triste e solitária sina fria.
Destino sem consolo, afastado,
exilado nas matas e maldito
pelos homens cordatos cuja fome
a fome de outros homens devora.
(Do livro Fantasma de Joana d’Arc – 2017)
*
Arte de encenar
Sempre a necessidade de brigar comigo,
de fazer de conta que sou superfície,
educar o menino do passado.
Os homens se comunicam.
Levantam posses, monumentos,
instrumentos de poder.
Erguem o jeito de ser homem
– do sêmen à criatura,
o homem a emergir de dentro,
onde o que se passa é subsolo da construção.
Limparei os trastes de meu subsolo
após de sobre a terra me extirpar.
Antes disso,
ainda meu de dentro cheio de teia de aranha
constrói projeções exteriores.
(Do livro Fantasma de Joana d’Arc – 2017)