Oito poemas de Lorena Sodré
Lorena Sodré tem 38 anos, é carioca, mulher preta e cis, formada em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), professora do município fluminense há dez anos, mãe da Isabela e se reconhece como um exemplo de proporcionalidade feminina e negra nos espaços de educação e literatura. Aluna do Curso Livre de Preparação de Escritores (CLIPE), da Casa das Rosas, estreia na literatura com Saudade Manda Lembrança (2021), publicado pela Editora Expressividade (adquira o livro aqui).
***
sinto falta
da iluminação
pública dos bares
da noite estrelada
vista da calçada
lotada de vozes e
bocas aparentes
portas abertas
para a brisa de rua
e para o papo
molhado de café
ou álcool ou saliva
pausas na leitura
nua dos lábios.
*
fatídico
café frio
denúncia da espera
sob glacial mármore
nada mais pode aquecer
nem meio par
de luvas ou palavras
a pele que habita em mim
congela feito abraço
de um boneco de neve
você não vem.
*
nada sei
perdida em esquinas difusas
coordenadas de achismos
invento um caminho de utopia
entre meridianos particulares
e paralelos inconscientes
protegida da precipitação
enxergo à frente
um ideal:
certezas não giram o mundo.
*
singularidade
alma costeira
de ilha penada
espécie rara
revelada alteridade
de efeito correnteza
ser único sob o sol
faz do oposto
e mar adentro
impulso à
profundeza
*
mosaico da eternidade
roda da fortuna
girando na metamorfose
da carne ao osso
— tempo de viver tem tempo!
avatar maltrapilho
alimentando a ilusão da nossa fuga
a hora da hora está marcada:
dia do nascimento da borboleta
a cada abrir dos olhos
recebo o ingresso
para o cinema da vida
assisto tentando ser melhor
roteirista de mim
me alimentando de imagens e cores
preferidas ou não
preenchendo o desenho
das minhas asas em formação.
*
vulnerabilidade
admito, sou suscetível
frágil, quebrável
imagino queda todo dia
obrigatória delícia
de inconstante realidade
dicotomia, de sal e doce
camuflada de asas
seja rasante ou estratosférica
me faz, mutante…
a vida prescreve fantasia.
*
escolhas
encruzilhada à vista,
bem no meio do
destino
paro, penso, respiro,
me alimento
ouço meus ancestrais
e aqueles que amo
a velocidade, aumento
para ultrapassar o deserto
leve o tempo que for
o caminho é da coragem.
*
cinza de Marte
descanso na distância
mesmo ainda refletida
no planeta azul
transcendência na transparência
da água, do vidro, do corpo
o troféu de folhas
conecta com minha árvore
no abraço profundo e quente
durmo de olhos abertos
derreto em órbita líquida
mil anos-luz de passos no espaço
cada átomo desgarrado de mim
se recompõe na sua unidade
pronta e de pé, volto inteira.