Pandeprosa: o total de mortes não é mais divulgado
“Pandeprosa: o total de mortes não é mais divulgado” é mais uma curadoria realizada pela editora Divanize Carbonieri, com textos a respeito da pandemia de coronavírus e suas consequências. Nessa semana que passou, o governo federal decidiu que não vai mais divulgar o número total de casos de infecção e mortes por covid-19. O desamparo que já sentíamos se torna ainda maior. A única estratégia de enfrentamento ao vírus que a presidência da República parece desenvolver é o negacionismo e a subnotificação, escondendo da população a real gravidade do momento. Em muitos locais, o isolamento social foi afrouxado e o comércio, aberto. A curva de contágios continua ascendente, e a projeção é que cerca de 166 mil pessoas percam a vida até agosto em decorrência dessa doença.
Os textos selecionados para esta edição são assinados, respectivamente, por: Carolina Medeiros, Mariana Bracks, Lenora Consales, Luciana do Rocio Mallon, Cefas Carvalho, Vinícius H. Masutti, Renata Amaral, Natália Zuccala, Rosa Acassia Luizari, Luciana Borges e Jaqueline Oliveira.
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Chegou à polícia relato de certa preta forra, em torno de 30 anos, bem apessoada, sobre morte de seu filho de 5 anos que estava sob cuidados da sinhá moradora da comarca do Recife a quem a forra prestava serviço. Sobre o nome da sinhá pouco se sabe porque foi proibido que se fale. O menino foi deixado sozinho enquanto chorava pela mãe que havia saído para dar aos cachorros da sinhá o prazer da caminhada matinal. Caiu de grande altura e por triste infortúnio faleceu.
Comarca do Recife.
Diário de Pernambuco, 1820.
(Carolina Medeiros)
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como nos transformaram em robôs
Como nos transformaram em robôs… tudo começou quando ficou decidido que não poderíamos mais nos encontrarmos, nada de toques, nada de aproximar… tudo virou virtual, tudo passou a ser em uma tela. O olho virou câmera, o cérebro controlado por algorítimo, o coração bate sem saber que apanha. Mãos que amam sem tocar, em constante depressão. Tudo é curtido, tudo é curto. Vazio profundo tomou conta. O novo normal sem alma e sem sabor. O novo real não vale nada. A realidade não passa de uma sombra espectral esperando a luz voltar.
(Mariana Bracks)
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M E N I NA
A menina tentava acordar todos os dias e fazer o que lhe cabia, ser feliz.
De manhã fazia yoga, meditava, trocava de roupa, fazia um café gostoso e olhava para o céu (pela estreita varanda) e agradecia por ser inteira ATÉ NAS DORES que sentia.
No decorrer das horas sem perceber ou percebendo seus medos, anseios que mudavam tão rápidos quanto os ponteiros, se debruçava com seus dedos sobre as redes sociais alheias…Talvez ela procurasse conforto, rostos sentindo o que ela sentia, realidades como a dela mas, só achava o desespero. Seria o dela também? Não sabemos.
Sem perceber foi abatida pela tristeza que não lhe interessava porque não lhe movia, mas era a única coisa que estava permanecendo com ela, além do pensamento em Vitor, Pedro, George e o menino que lembrava ela mesma, Miguel, mortos por assassinos.
Essa menina via o sol irradiando pela janela e pensava: “Quando tudo isso acabar vou só andar lá fora sentindo o vento, sem pressa, sem destino, sem paradeiro”
Essa menina amava um menino, mas brigava com ele a todo tempo, a convivência integral era um mal que não imaginava, mas as vez olhava para ele e pensava “Como o amo”.
Essa menina já é mulher mas gosta de pensar que é a menina nova que foi, para a maldade do mundo não destruir seus sonhos e não lhe impedir de chegar ao topo.
(Lenora Consales)
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No passado Roubaram os óculos da estátua e hoje afanaram a máscara
Reza a lenda que a estátua de um homem morava numa praça e sempre conviveu com os humanos numa boa. Porém, ano passado roubaram os óculos dela. Mas sempre pessoas bondosas repunham estes acessórios. Porém, ás vezes, vândalos voltavam a afanar os óculos que nem graus tinham.
Então, em 2020, o Corona Vírus chegou e a estátua, ainda com os óculos repostos, ganhou máscara de pano. Porém, na calada da noite, um malandro roubou a máscara dela.
No dia seguinte, o Fantasma da Menina das Balanças das Praças visitou o local e exclamou:
– Poxa, roubaram sua máscara contra o Covid!
A estátua comentou:
– Desta vez, eu nem liguei. Pois o meu bafo na máscara deixava meus óculos embasados. Sem falar, que imagens não pegam Corona Vírus. Aliás, os bêbados que chegam para conversar comigo, todas as noites, têm quantidade de álcool tão grande, em seus corpos, que funcionam de remédio para mim.
(Luciana do Rocio Mallon)
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EX MACHINA
eu me isolo, me confino, me rendo; ao vírus, ao caos, ao silêncio… e me consolo com o que posso, o que tenho, o que sonho, meus projetos, meus livros, meus medos, meus filmes, meus delírios, meus sonhos, meus pesadelos; noites insones, dias erráticos, noite/dia, que diferença, que importa? tranco a porta, abro, ninguém lá fora, ninguém em lugar algum, natureza morta; todos isolados, confinados, rendidos, ao vírus, ao caos, ao silêncio… ao cansaço que cai como um fardo, como uma horda de bárbaros, como uma praga de gafanhotos, como um sismo, como uma borrasca… nada, tudo exagero, tudo ilusão, tanto tédio, tanto sim e não, tanto a fazer e tanto a não fazer, tanto ócio, tanto ódio…tudo e nada, limão e cachaça, minha insônia, minha mágoa, meu remédio, meu sim e meu não… embaralhados nas cartas de tarô, no meu jantar de açúcar e sal, o horror, o horror… apocalipse now… a máscara, o rosto, o álcool em gel, o exílio, alho com mel; e eu me isolo, me confino, me rendo, ao tempo, ao desconhecido, à doença, ao medo; a cabeça na parede, o dedo no teclado, a cabeça nas nuvens, os pés no chão; o sacro e o pagão, relâmpago e trovão, aqui dentro, lá fora, o tempo passa, o tempo não passa, a vida passa, a uva passa, o trocadilho imbecil, a china, a itália, o brasil, e aqui, isolado, confinado, rendido, na rede, à espera, de uma vacina, da vida, da pizza, da partida, de uma quimera…
(Cefas Carvalho)
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Amores em tempos de pandemia
Marcaram encontro, se encontraram
– Você tá protegido?
– Sim, sempre usei camisinha
– Tá, mas e máscara? Álcool em gel? Tá usando?
– …sim, também. Vem, me dá um abraço!
Ela se afasta, dando dois passos para trás, as mãos espalmadas na altura do peito:
– Calma, me diga há quanto tempo está em isolamento?
– Uns 14 dias… não tive sintomas
– Tá bom, entra e me dá esse vinho…vou lavar. E tira a roupa!
– Opa, já?
– Sim, não vamos arriscar, temos que lavar também
– Ah tá
(Vinícius H. Masutti)
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Última aula, de sete, começadas às 7:10. A campainha toca, deixo os alunos nas telinhas para atender. Era o funcionário da companhia de energia. Precisava desligar a força para instalar relógio de medida novo. Eu sem máscara, ele também. Pedi para aguardar porque estava em aula online, com meias nos chinelos e calça de pijama estampada de caveirinhas com laços, mas de batom, brincos e pashmina. Ele de uniforme, capacete, botas de borracha e sem máscara prometeu aguardar o fim da aula para desligar a energia. De volta à mesa, agora sala de aulas, alcoingel nas mãos, fone nos ouvidos, coço o olho, falamos dos rituais fúnebres egípcios. Enzo mostra o casal de calopsitas em seu quarto, o microfone dele capta os piados das aves. Manuela devora uma coxinha. Alice mostra seu cachorro e não responde à chamada no chat, outros dividem a tela com irmãos menores, curiosos.
Monte Sião, 01 de junho de 2020
(Renata Amaral)
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É o que é, nunca o contrário
Então ela viu. Num dia como os outros: depois de ter sido acordada, como todos os dias, pela luz que penetra seus olhos às 6h da manhã, tendo passado antes pela janela, aberta com esta finalidade, e pela pálpebra, intermediária da operação; depois de ter feito com cuidado microscópico e administrado com zelo higiênico todas refeições do filho alérgico a glúten, lactose e amendoim; depois de 5 videoconferências – 3 delas com seu chefe neurastênico e 2 com clientes soporíferos – nas quais foi compreendida de maneira equivocada por todos os seus interlocutores em algum momento da conversa e à despeito do preciosismo com que emprega as palavras e o cuidado com que constrói sintaticamente as orações, justamente para que esse tipo de má-interpretação não ocorra; depois de brigar com o ex-marido ao telefone, por conta da empregada doméstica que a nova esposa dele insiste em manter em casa, apesar de entender – ah, ela entende – o risco de contágio que essa situação impõe a todos os envolvidos, incluindo e principalmente o seu menino, cuja saúde – todos sabemos – é frágil, e concluir que afinal essa vaca não tem descendentes nem escrúpulos; depois de, sem muita dificuldade, ter convencido esse mesmo homem a deixar consigo o filho – o qual surpreendentemente eles ainda dividem em comum – até o final do período de isolamento social, sem se importar com horizonte mal delineado que a pandemia impõe; depois de lidar com o choro da criança, inconsolável ao descobrir que não voltaria a ver o pai tão cedo, e com seu próprio arrependimento, que não teve sequer tempo de ser felicidade antes; depois de ajudá-lo com os devastadores deveres de casa durante 3 horas de paciência sólida, atribuição que ela carrega, pesada, junto a outras obrigações do ofício materno, mesmo após tomar um tapinha birrento no braço direito, acompanhado de um biquinho sem vergonha, e tê-lo repreendido sem severidade suficiente, pois achava que o garotinho ficava com aquela carinha de bravo; depois de tê-lo botado para dormir, ter lavado e estendido um tanque de roupa e enquanto guardava a louça muito bem limpa do jantar; antes, porém, de dirigir-se para o segundo banho do dia, preparação contundente para seu sono profundo, o qual ela sempre o aproveitava, na ausência do filho, para masturbar-se devagar e com força, do jeito exato que ela gosta de ser tocada e não o é faz uns bons meses; ela viu. Viu a notícia irremediável que habitava cada uma das coisas, os objetos, as roupas, os panos, as louças. Viu o corpo animal que morava atrás do filé mignon, um pedaço da traseira de um cadáver, profilaticamente armazenada para evitar a putrefação; viu o resto de sêmen e de endométrio que moram na pele, nos ossos, nos cabelos do filho, além da trepada, do ódio e da paixão tão fúteis que ajudaram a edificar aquele protótipo de adulto; viu as veias roxas e azuis que moram na própria mão e não soube interpretá-las; viu a areia que mora no vidro; o sol que mora na lua; o medo que mora na noite; a morte que mora no sono e não pôde dormir. Não bebeu nenhum gole d’água, nem botou nada nada na boca, no ouvido, ou nas narinas; ao invés disso, tirou do corpo o que era possível retirar. Teria arrancado os cabelos, as unhas, os olhos, se tivesse mais força, mas, permaneceu em pé, apenas, nua, claro, na cozinha (aguentando a visão insuportável das coisas), até que o filho, pela manhã, ao acordar no mesmo horário em que ela acordaria e encontrá-la daquela maneira, tirasse também o seu pijama, sem relutância ou perguntas, e pedisse colo.
(Natália Zuccala)
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Baile de máscaras
Hoje é 5 de junho de 2020. Mais um dia da quarentena a se multiplicar em minhas horas. Hoje pela manhã fui às compras por dois motivos: necessidades essenciais e para evitar a estagnação total da economia em meu país. Havia mais gente nas ruas do que o necessário. O isolamento social parece estar sendo esquecido. Percebi que muitas pessoas usavam máscaras. Inevitável tornou-se a necessidade de olhos nos olhos, há muito esquecida. Lamento apenas o gosto amargo do instigante mistério que reside no interesse em saber quem ali se esconde por força das circunstâncias. Há algum tempo, a máscara poderia esconder o rosto de um grande amor a ser plenamente vivido, mesmo após o carnaval, mas, hoje, ela esconde o medo que une a todos no combate à disseminação da Covid-19.
A máscara muito significa na luta contra a epidemia que devasta os territórios atualmente. É a preocupação consigo mesmo e com o outro no que se refere à propagação do coronavírus, a manutenção do trabalho de costureiras do Brasil em meio à crise, a generalização do medo em relação ao inimigo desconhecido. Pensando nisso, resolvi não mais sair de casa sem usar máscara. As minhas máscaras não são estilosas e nem trazem o logotipo da marca preferida das mulheres da alta. São aquelas tradicionalmente usadas por gente da área da saúde nos hospitais do Brasil. Finas e brancas, cobrem nariz, boca e os acessórios negativos que podem vir a sair dela em dias cáusticos normais da vida cotidiana. As máscaras que tenho devem ser usadas e descartadas, não como as mulheres esquecidas ou celebradas em cada canto anônimo da minha ou da tua cidade e que podem voltar para seu algoz por necessidade. As máscaras devem ser usadas e descartadas.
O estado de emergência que estamos vivendo obriga-nos a usar máscaras. Elas encaixam-se perfeitamente em mim, em você, no ativista e nas pessoas normativas ou abertas ao diálogo que moram na Avenida São João, em São João de Meriti, na Finlândia, Bélgica, Alemanha, Islândia. Elas ficam bem nos rostos da democracia experimental e dos rebeldes de fundo de quintal. Meu chefe, que costuma não dar respostas claras aos meus questionamentos, também deve ficar bonito de máscara.
As máscaras que uso para enfrentar a pandemia do coronavírus escondem muito de mim. Eis uma vantagem em toda esta situação. Estou vulnerável, no entanto, uso apenas uma a cada vez que saio de casa, e não saio todos os dias. Penso que a sobreposição de máscaras pelos indivíduos seria um grave problema que levaria à exaustão na produção das mesmas. Seriam camadas e camadas escondidas de inconveniências e irracionalidades e algumas doses de bom senso guardadas em comboios de carne e osso.
Em quarentena, assisto a um baile de máscaras diferente. Bailamos à distância, em isolamento, ao som de Caetano ou em justificáveis encontros pontuais. Os assuntos já não são os mesmos dos antigos bailes de carnaval. Importa, agora, a sobrevivência da carne mascarada, de nosso legado cultural e do vulnerável e politicamente esgarçado cotidiano. E a nossa solidão coletiva assiste a tudo, à espera de um milagre divino ou no campo da inteligência artificial.
(Rosa Acassia Luizari)
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Eros pandêmico ou pequenos ensaios sobre a sofreguidão
“Ámame otra vez/ si te atreves” [Arca]
[como se fora a mulher de Lot]
olhou a tela do celular.
o identificador facial não reconhecia seu rosto com a máscara. digitou o código.
de fato, não devia ir. ainda hoje havia lido mais notícias sobre o aumento dos casos na cidade, as mortes, a necessidade de manter o isolamento, o perigo de.
sucessivas piscadas de luz na tela, para não deixar seu cérebro se distrair do tormento. ei, você não vem? e um emoji fofo de coração partido. leu por fora para não marcar mensagem lida, tirou a máscara, sufocava, precisava pensar. desde o início da pandemia que nada, já estava seca, já estava esquecendo o que era contato com outro corpo. e aquele boy era um velho conhecido, crush habitual, não era nenhum novato do tinder. tá certo que já tinha uns meses que tinha sumido e tinha ressurgido da tumba no meio quarentena mas quem se importa não é mesmo. ela precisava dar. e ele estava bem, tinha garantido que não tinha sintoma e que no trabalho ninguém estava doente. outra piscada na tela. dessa vez um nude!
mas era loucura, devia mesmo esperar, não ia morrer por uma foda. mais de mil mortos todo dia. ela não queria ser um desses mortos dos próximos quinze dias. mas se ela não fosse e depois pegasse covid de outra forma? ninguém poderia saber se. aí além de tudo ia morrer sem um pingo de prazer, oh céus, ela não merecia. que merda ter lido todas aquelas teorias sobre orgasmo, morte, eros, thanatos, blá blá blá.
pensou em pedir que ele viesse e se livrava de se aventurar na rua. mas ele tinha era moto, aquelas horas ia acabar vindo de uber e aí sim ela entraria nas estatísticas de verdade.
olhou de novo a tela do celular. dessa vez apagada. respirou fundo.
pegou a bolsa, as chaves, colocou a máscara, fechou a porta e entrou finalmente no carro. dane-se, é só passar álcool gel.
[quando fevereiro chegar]
conheceram-se no protesto, de máscara, ambos. a dele, Coringa, a dela, Dalí.
os olhos dele sorriram, os dela também. falaram sobre como não deviam estar ali por causa do contágio e tal, mas a coisa estava séria né? precisavam fazer algo. apesar de.
foram caminhando e as coincidências muitas. aquele arrepio esquisito das primeiras vistas. ou quase vistas, no caso. o rosto dele ruborizou com um pensamento que lhe fez as calças mais justas, mas ela não viu. ela mordeu o lábio com força até sentir gosto de sangue, e roçou uma coxa na outra, mas ele também não viu porque a máscara e as bombas de gás e o choque.
palavras de ordem gritando nas bocas por trás do tecido, correram e sonharam ser o carnaval, quando se podia beijar qualquer um, arrastar para um canto escuro e trocar fluidos vários no mundo pré-apocalipse.
[status de relacionamento]
casados há vinte anos, finalmente ninguém estranhava que estivessem sempre a pelo menos dois metros de distância e só trepassem sem beijos e abraços, afinal, não se deve brincar com esse vírus maléfico.
(Luciana Borges)
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Amor em tempos de Corona Vírus.
Hoje eu fiz um bolo, aquela receita que minha mãe sempre insistiu para eu aprender e eu falava: “A senhora faz, porque eu vou aprender?”. Fizemos uma chamada de vídeo e quando coloquei o bolo no forno, fiquei bem emocionada. Quem diria né? Quantas vezes, você mãe me falou que em algum momento eu teria que aprender a fazer esse bolo.
O nosso dia das mães também foi diferente. Fiquei um pouco triste por não estar presente. Quando olhei aquela foto do ano passado, estávamos todos juntos no café da manhã, minha mãe estava tão feliz, naquele dia, resolvemos que íamos lhe presentear com flores, orquídeas que são as preferidas dela.
Voltei a compor, não música, POEMA. É eu sou poeta, não sou nenhuma Clarice Lispector, muito menos uma Cecília Meireles ou um Carlos Drumomd. Eu só escrevo, escrevo sobre vida e as coisas boas e ruis que ela me faz enxergar. Até parece que é história inventada, coisa de prosador. Mas não, é que em tempos de pandemia o melhor remédio é a poesia e o amor.
Esse ano eu havia marcado minha primeira viagem para o exterior. Quando tudo isso aconteceu eu estava com passagens compradas, imaginem minha expectativa. A pandemia foi como um balde bem grande de gelo nos meus planos. Eu confesso, fiquei muito chateada. Só que agora, depois desses dias de autoconhecimento, depois de tantas perdas em todo o mundo, é como se os meus planos fossem pequenos. Eu não desistir da viagem, mas entendi que tudo tem seu tempo e o tempo agora é de ficarmos em casa, praticando o amor por nós e pelo próximo.
Ler é uma das coisas que mais gosto de fazer. Agora estou relendo a biografia de Frida Kahlo e recomendo a todos. Mulher, amante e artista. Frida Kahlo é história, é lição que precisa ser aprendida. Vou aproveitar esse momento e indicar uma outra leitura que me tocou muito e confesso, chorei durante quase todo o livro, seu título é “O sol é um cometa que não deu certo” narra a história de Emanuel um garoto que gosta de observar o sol do deserto. Ele e outras crianças sírias vivem em um campo de refugiados e mesmo em meio a tantas incertezas encontra um lugar para sonhar na companhia de seus amigos. A história de Emanuel é uma linda história de amizade e esperança.
Eu adoro ouvir música e essa é uma das coisas que mais tenho feito durante a quarentena. Sou bem eclética e depende muito do meu estado de espírito. Se acordo animada eu escuto pagode, funk, pop. Gosto de ouvir mulheres que tenho como referências, Nina Simoni, Beyoncé, Areta Franklin, Rihanna e Dua Lipa. E tem dias que eu coloco qualquer música que me faça pensar em coisas boas, que quero fazer depois de tudo isso. Agora mesmo estou ouvindo “Stuck With U de Ariana Grande e Justin Bieber” é que além dessa música me levar a pensar no futuro, eu adoro o vídeo e ver que todos nós de uma maneira ou outra estamos tentando ficar bem.
E enquanto eu volto essa música umas cinco ou seis vezes, estou imaginado como vamos fazer coisas legais em breve. Como eu quero tomar aquele banho de mar, ver o pôr do sol. Quero abraçar minha mãe bem forte, levar meus sobrinhos ao cinema, sair pra dançar. Quero voltar a viver livre.
Também quero encontrar um amor, um amor de verdade, daqueles que eu li em um poema de Noémia de Sousa que diz assim “Não será herói de livro de fantasias, príncipe russo/ ator de cinema ou milionário com saldo no Banco”. “O homem que eu amarei será tal qual eu, no fundo. Suas mãos, como as minhas, estarão calejadas do dia a dia e seus olhos terão reflexos de aço como os meus”.
Mas nem sempre eu estou com esse ânimo todo de fazer exercícios, meditar, cuidar da pele, pentear o cabelo, ler um livro. Às vezes, eu só quero ficar jogada no sofá. Nesses dias eu peço uma pizza. Engraçado, eu e minha irmã sempre brigamos pelo último pedaço. Deu saudade, isso mesmo, estou com saudade de brigar por um pedaço de pizza de calabresa.
Eu e minha irmã só nos vemos duas vezes ao ano. Nas festas de fim de ano que são as melhores. Nós não comemoramos o natal, mas no reveillon gostamos de estar juntos. Vamos à praia, pulamos as sete ondas, comemos os cinco caroços de romã e fazemos nossas orações. Rezo para que esse ano não seja diferente, que no final de tudo isso possamos nos abraçar e termos a certeza que mesmo separados, passamos por esse momento difícil unidos. É o que desejo para minha família e amigos e para todos aqueles que venham ler esta crônica.
(Jaqueline Oliveira)
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