Ping Poesia 4 – Andri Carvão e Divanize Carbonieri
Trazemos hoje mais um episódio da série de curadorias com os poemas do Ping Poesia, projeto idealizado por Andri Carvão, Noélia Ribeiro e José Danilo Rangel, que originalmente consiste na gravação de um vídeo com uma dupla de poetas fazendo um rápido ping-pong com trechos de seus poemas. Aqui, na Ruído Manifesto, as leitoras e os leitores poderão ler os poemas utilizados na íntegra e também assistir ao vídeo, veiculado inicialmente na página Ping Poesia. Desta edição fazem parte o poeta Andri Carvão e a poeta Divanize Carbonieri.
Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, há colaborações do autor em diversas revistas e antologias. Suas últimas publicações foram Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books] e Poemas do Golpe [editora Patuá]. Integra o Coletivo de Literatura Glauco Mattoso, criado pelo profº Antonio Vicente Seraphim Pietroforte, apresenta poetas e poetos no Simpósio de Poetas Bêbadxs em parceria com Thiago Medeiros e é um dos idealizadores do Ping Poesia junto com Noélia Ribeiro e José Danilo Rangel.
Divanize Carbonieri é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo e professora de literaturas de língua inglesa na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). É autora dos livros de poesia Entraves (2017), agraciado com o Prêmio Mato Grosso de Literatura, Grande depósito de bugigangas (2018), selecionado pelo Edital de Fomento à Cultura de Cuiabá/2017, A ossatura do rinoceronte (2020) e Furagem (2020), além da coletânea de contos Passagem estreita (2019), selecionada pelo Edital Fundo 2019/Cuiabá 300 anos. No Prêmio Off Flip, foi finalista na categoria poesia nas edições de 2018 e 2019, e segunda colocada na categoria conto na edição de 2019. É uma das editoras da revista literária digital Ruído Manifesto e integra o Coletivo Literário Maria Taquara, ligado ao Mulherio das Letras – MT.
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Sequência de Andri Carvão
Quanto mais profundo,
mais elevado.
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A poesia não tem preço,
mas vende-se poesia.
*
O poeta pobre
O poeta pobre era o preferido de Hitler.
O poeta miserável, o poeta faminto.
O poeta devia morrer dormindo.
Mas o poeta se suicida.
O poeta se embriaga e se mata,
bebe até cair na sarjeta,
bebe até morrer.
O poeta é a ponte.
O poeta usa a corda como gravata.
O poeta dá um tiro no peito.
O poeta dá um tiro na boca.
O poeta dá um tiro na ideia.
O poeta é um passarinho de chafariz,
presa fácil para os gaviões.
O poeta que consegue viver da escrita
escreve prosa.
O poeta boêmio. O poeta solteiro.
De preferência sem filhos.
O poeta sem eira nem beira.
O poeta que só dá conta de si e das coisas do espírito.
O poeta pé sujo dorme na rua.
O poeta depende da caridade dos amigos
e dos conhecidos. O poeta na pior
grato por saber que podia ser pior.
O poeta lido por outros poetas,
poetas amigos e detratores.
O poeta é um bicho estranho,
é um troço, um treco esquisito,
um sem lugar.
Poeta bom é poeta morto.
A puesia tem que acabar.
*
Uma estrela cai
do céu. Que pena…
Mais um poeta que sai
de cena.
*
Era uma vez
até que um dia
todos viveram felizes para sempre.
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Sequência de Divanize Carbonieri
TRAMELA
deus dá o discernimento
e o desatino
o talento e o desânimo
desanda o touro
adianta o domador
deus abandona a matilha
deixa abater a mãe
a ninhada tomba à mercê
dá sem merecimento
minora os mansos
aumenta os dias dos maus
deus tira o mais amado
de quem amou melhor
aquele que maltrata permanece
tendo a quem atormentar
deus é a tramela que impede
o padecimento de ser atenuado
mas permanentemente se pede
sua intercessão e destrançamento
*
VEREDA
no amuleto está escrito
o mantra da prosperidade
mais um penduricalho
em torno do pulso
no cordão dorme o escapulário
padroeiro protetor
o acordo feito com o santo
assinado e protocolado
na guia de miçangas coloridas
outro crucifixo agarrado
ao retrovisor dança em círculos
mas a vereda é incerta
até agora a resposta é o silêncio
aos gritos de angústia
mesmo a alegria não tem eco
na mansidão do caos imenso
*
OSSADA
boiou na superfície a terça parte do úmero
mais adiante ressurgiu metade do rádio
o fragmento de um corpo de ílio solitário
apareceu grudado num pedaço de fêmur
emergiu impávida uma tíbia partida
e por fim erguida uma fíbula fraturada
quem está desaparecida torna-se ossada
filha mulher irmã só depois de exumada
entranhada no osso a história do carma
mas não o sonho que tem que ser içado
das profundezas do oceano paralisado
marinheiro conduzindo o navio-fantasma
*
CARNIÇARIA
o amor vai furar a todos com seu gancho
o amor vai pendurar as carcaças exangues
o amor vai tirar delas lascas e lascas
o amor vai descarnar as suas pelancas
o amor vai seccionar os quartos e partes
o amor vai empilhar no chão os descartes
besouros com chifres são como rinocerontes
andadores de formigas e pulgas diminutas
parasitas também encavalgam os piolhos
espólios de ácaros enchem todos os catres
biltres carunchos devoradores de arroz
atroz carniçaria de famintos comensais
*
DANÇA
tanta poeta suicida patinou nessa senda
como posso pensar em me manter de pé
semear com pedras o seio seco do arroio
a haste mirrada da espiga ressequida
árido piso de troncos ocos e retorcidos
muito ansiada gota que não mais sacia
resta ascender ao patíbulo como todas as
outras arrastando amarras e mordaças
atirar-me súbito do cadafalso para
oscilar no nada pendurada pelo pescoço
uma elipse desenhada com as pernas
última dança na letal encruzilhada
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Agora, assista ao vídeo