Ping Poesia 8 – Vania Clares e Andri Carvão
Trazemos hoje mais um episódio da série de curadorias com os poemas do Ping Poesia, projeto idealizado por Andri Carvão, Noélia Ribeiro e José Danilo Rangel, que originalmente consiste na gravação de um vídeo com uma dupla de poetas fazendo um rápido ping-pong com trechos de seus poemas. Aqui, na Ruído Manifesto, as leitoras e os leitores poderão ler os poemas utilizados na íntegra e também assistir ao vídeo, veiculado inicialmente na página Ping Poesia. Desta edição fazem parte a poeta Vania Clares e o poeta Andri Carvão.
Vania Clares, paulistana, é escritora, contista e poetisa, e diretora da Sarasvati Editora e Comunicações. Estudante de Filosofia e ativista cultural. Participou de vários encontros literários na Oficina Cultural Oswald de Andrade e é membro da ACL-Academia Contemporânea de Letras, tendo como patrono Caio Fernando Abreu. Todos os seus livros estão disponíveis em e-book na amazon.com.br. Em poesia, publicou os livros Urgência de auroras, Do parapeito vital, Germinação-sementes de um novo tempo, Ouso, Plenitude, Por trás do vidro fosco, Segundo tempo e Depois da chama acesa. Como coletâneas de contos, tem Salão de baile (citado como inspiração para o filme Chega de Saudade, de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi), Esboços imperfeitos e Para alguém que me perguntou o que é preciso para ser feliz. No romance, é autora de Permanências outonais e O livro do último dia (escrito com Malik Al-Shabazz). Também participa das antologias Fragmentos de escritores contemporâneos (com os acadêmicos da ACL-Academia Contemporânea de Letras), Salvante I – Poesia viva e Salvante II – Coincidências, ambas da Sarasvati Editora.
Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, há colaborações do autor em diversas revistas e antologias. Suas últimas publicações foram Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books] e Poemas do Golpe [editora Patuá]. Integra o Coletivo de Literatura Glauco Mattoso, criado pelo profº Antonio Vicente Seraphim Pietroforte, apresenta poetas e poetos no Simpósio de Poetas Bêbadxs em parceria com Thiago Medeiros e é um dos idealizadores do Ping Poesia juntamente com Noélia Ribeiro e José Danilo Rangel.
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Sequência de Vania Clares
TEU DESEJO
Sabiamente, ousadamente,
sussurras tua intenção devassa.
Libero as barragens das minhas veias
e como um rio abundante, devastador,
percorre em mim teu desejo.
Reacende em tempo o mesmo querer do cio,
enquanto entranhas, pele, músculos, pelos
estremecem ao chamado.
Teu desejo entra em mim
consentindo o pecado.
(Excita mais, sendo assim dito e marcado,
– pecado. Sublime ato.
Pois nada se opõe à natureza
que nos criou voluptuosos e infames,
fugazes e pérfidos, promíscuos e profanos.
No êxtase de seguirmos seu curso,
somos belos, somos perfeitos).
Teu desejo me licencia à luxúria
desregrada e permissiva,
sem remorsos, sem máculas, sem amarras.
Incita e traz a lembrança da vida.
Que será sempre justificada
na harmonia da pulsão de todos os corpos.
Teu desejo me cria assim, lasciva,
sensualizando em pensamento, palavras.
Semeias semens na minha alma.
E versejo orgasmos.
*
MALEABILIDADE
Nem poucas, nem meias, sem palavras.
Obedeço ao meu silêncio agora.
Envergo, recolho, encolho, deixo seguir.
Tudo passa…
*
ÁRIA
Às vezes hiberno. Necessito.
Indisciplinadamente e sem discernimento
maturo na quietude o que assimilo.
Repleta de mundo, de rostos, de gestos,
penso, penso que somos e temos.
Quase se perde o tempo do que foi
e diante do que resta finjo me apressar.
Atenta à voz semente que se forma
vibro, desfibrilo, ressuscito.
Incontida e luminescente
canto as notas do amor que recolho.
*
TATUAGEM
Fica por conta
o não dito
pela irreversível
herança do tempo:
a tatuagem da dor.
*
O DIA SEGUINTE
O dia seguinte
não foi senão colheita
assistindo o tempo,
manchando a pele,
rasgando a carne,
desprezando esboços.
O dia seguinte
não veio sem o gosto amargo
da verdade não aceita,
do convívio rotineiro,
das coisas imutáveis e enraizadas,
do sentir-se escarnecido.
O dia seguinte,
o que esperavas?
Se é sempre teu velho engasgo,
não querer ser enganado
Pelos sonhos da vida.
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Sequência de Andri Carvão
Jiraiya
A água no sentido horário
Gira no hemisfério sul
No sentido anti-horário
Ela gira no polo do iglu
Ao redor da orelha gira
O dedo indicador
A cabeça da coruja gira
Gira o ventilador
O mundo gira até ficar jiraiya
O mundo gira pa ficar jiraiya
O mundo gira a roda gira
Gira o pneu gira o pião
Tudo gira e o tempo vira
Atrás do rabo gira o cão
Na fechadura a chave gira
E para o parafuso pira
A criança no gira-gira
E com pipoca até a pomba gira
O mundo gira até ficar jiraiya
O mundo gira pa ficar jiraiya
Da minha casa até a sua
É a mesma distância
Deu peripaque no meio da rua
É só chamar as ambulança
Daqui até a sua casa
Boteco e igreja pa carai
Desculpa pa quem se atrasa
É mió que o vai num vai
O mundo gira até ficar jiraiya
O mundo gira pa ficar jiraiya
*
Me deu um treco
Me deu um troço
Gritei um eco
Cuspi um caroço
*
Uma coisa é a Literatura,
outra coisa é o Mercado Editorial.
Uma coisa é a Arte,
outra coisa é a Indústria Cultural.
*
Depois que se desaprende a engatinhar
quebram as suas pernas.
*
Quem caminha na escuridão
procura a luz
ou a perdição?
**
Agora, assista ao vídeo