Poder não violento, emancipação e auto definição Por Sílvia Barros
TRAVESSIA é coluna reservada à professora doutora do Colégio Pedro II e poeta de mão cheia, Sílvia Barros. A periodicidade é quinzenal, preferencialmente às terças-feiras, mas isso não é regra, só os 15 dias. O objetivo do espaço é jogar luz sobre as intercessões presentes na relação entre conhecimento acadêmico e saber ancestral. Boa leitura!
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Minha estrela guia nos últimos tempos tem sido Audre Lorde. Poeta, negra, mãe, lésbica, professora, militante, feminista, uma grande intelectual e um grande ser humano. Uma grande intelectual e um grande ser humano, porque se permitiu se definir dessa forma: humana. Porque investiga cada elemento de sua vida e de sua história sem se desmembrar em identidades fragmentadas para se encaixar em cada uma dessas definições.
Dentro de uma inteireza complexa e contraditória podemos nos definir e usar o que ela chama de poder não violento. O poder que se opõe ao patriarca branco e suas instituições.
Poder não violento é encontrar as próprias referências e criar uma política nova de citações, uma política anticolonial, em que essas citações não sejam meramente palavras retiradas de livros publicados por editoras, mas formas de diálogo com saberes que nos emancipem. Precisamos conhecer esse poder não violento para lidar com o fato de que nós mesmas estamos nessa lista de referências e seremos ouvidas, questionadas, rejeitadas, incensadas e até ridicularizadas.
Poder não violento é reconhecer a própria excelência com a mesma facilidade com que reconhecemos nossas limitações. É fazer uso dessa excelência para mudar as coisas.
Poder não violento exclui auto ódio e canaliza a frustração para a reflexão que se transmuta em ação.
Não é passividade, não é falar baixo sempre, não é abafar os sons da revolta. Pelo contrário, é fazer bom uso do grito tanto para a alegria quanto para a luta, agindo para que esse poder seja também coletivo, pois, como diz Joice Berth em seu livro Empoderamento:
O empoderamento individual e coletivo são duas faces indispensáveis do mesmo processo, pois o empoderamento individual está fadado ao empoderamento coletivo, uma vez que a coletividade empoderada não pode ser formada por individualidades e subjetividades que não estejam conscientemente atuando dentro de processos de empoderamento. (2018, p. 42)
Poder, emancipação e auto definição estão na escolha das bases para comunicar nossas verdades. Pela arte, pela política, pelo cuidado com a outra, com o outro. No fim das contas, sendo sincera comigo e com Audre Lorde, acho que essas questões são ditas da melhor forma pela poesia. Deixo um poema de Tatiana Nascimento, outro ponto cardeal da minha rosa dos ventos, parte do livro Oriki de amor selvagem (Padê, 2020), que diz sobre o desejo de ser humana no mundo:
eu que sou poeta
só quero alguém
que me ame em silêncio
eu que sou persona
só quero alguém
que me saiba de antes
eu que sou humana
só quero fazer parte de tudo
feito a dança das sementes
que as árvores sopram
pra caminhar
no mundo.