Poemas de Wagner Schadeck
Wagner Schadeck nasceu em 24 de agosto de 1983, em Curitiba, PR e mora em Santa Maria, RS. Traduziu Keats, Ortega y Gasset, Nietzsche, Rollinat, Leonardo da Vinci, Kafka e Virginia Woolf, entre outros. É autor de Quadros Provincianos, livro semifinalista do prêmio Oceanos, categoria poesia, e Terra enferma.
***
FRAGMENTOS HELÊNICOS
1. Visitação
Οὐκ ἔστ’ ἔτυμος λόγος οὗτος,
οὐδ’ ἔβας ἐν νηυσὶν εὐσέλμοις,
οὐδ’ ἵκεο Πέργαμα Τροίας.
Palinódia de Estesícoro. In: Platão: Fedro: 243 a13-b2.
Οὐκ ἦλθον ἐς γῆν Τρῳάδ᾽ , ἀλλ᾽ εἴδωλον ἦν.
Eurípedes. Helena, 412 a.C.
1, 1 – HÉCUBA, EM SONHO
As pálpebras chumbadas de modorra,
olhos núbios, amolecidos nervos,
a vertigem e a queda. E escusos servos
a apostar para que a rainha morra…
Um vulto à porta. Quem viera ver-vos?
É Príamo a orquestrar outra desforra?
Que estranho inflama códices e acervos?
Pequeno, Heitor embala-se à gangorra?
Anoitecendo, Sêmele ensanguenta
o céu. No quarto, a tocha fumacenta
sufoca. Na urbe morta, ninguém vela.
Hécuba sangra e chora. Sob um signo
sombrio, pare. Seu rebento era ígneo
archote a incendiar a cidadela.
16-11-17
*
2. O Desterro
“En vano, pues, tu lira tañerás en ayunas
con cantos que ninguna recompensa hallarán
y llorando a tu tierra ya una vez incendiada
volverás estrechando con tus brazos la imagen
de la pleuronia Tíade de los cinco maridos.”
Lícofron. (285-246 a.C.). Alexandra.
γιὰ ἕνα πουκάμισο ἀδειανὸ γιὰ μιὰν Ἑλένη
Séferis. Mysthistorima, 1935.
2, 1. A SENTENÇA
De que me vale morrer velho
com vacas úberes e opíparo
simpósio? Quando ao sol me espelho,
prefiro ter as asas de Ícaro!
Ao governar ilha enfadonha,
pouco me importa ser solerte!
Tendo o sorriso de quem sonha,
espero que o Amor me liberte
Do árduo labor, do tédio e do asco…
não há perigos que não vençam
amantes que recebem bênção
nas águas tépidas de Cípris.
Quero beber de um gole o frasco
de fármaco, vinho acre ou sífilis!
20-11-17
*
2, 2. MENELAU
É véspera do assalto. Na assembleia,
a dissipar revoluções em curso,
o rei, com um lacônico discurso,
joeirava o ouro límpido da ideia.
Aluno de Ares, quem viera em tua ajuda?
Que novas lhe remete a alheia carta?
Ignoram as políticas de Esparta,
Cravando no teu flanco a seta aguda?
Em sonho, a gelosia se descerra.
Recebes hóspede em tua casa? É a hora
Do árduo combate! A pátria toda chora…
E hás de enfrentar ainda maior guerra…
Tua esposa está despida entre os biombos
a ser espoliada pelos pombos.
12-12-17
*
2, 3. O RAPTO
Nas bandejas de prata,
a Maçã entre as Nêsperas,
uma eleita? Quem às vésperas
da agonia desata
O peplo, e rompe o ninho
dos cachos, e envenena
a água, ofertando o vinho
dos lábios? Com essa Helena,
Desaparecem tisnes
de cizânias e azares?
Nela a pluma dos cisnes
vês, pirômano Páris?
E esse rapto te agrava
sendo escravo da escrava.
08-11-17
*
3. Sonho Em Citera
“Este crânio aqui é Helena.”
Luciano. Diálogo dos mortos. 165 e 175 d. C
“– Ah ! Seigneur ! donnez-moi la force et le courage
De contempler mon coeur et mon corps sans dégoût !”
Baudelaire. Un voyage à Cythère, 1855.
3, 1. CASSANDRA EM TRANSE
Na ágora ígnea, decapitados sábios…
Como quando criança, a arisca sílfida,
com saliva alcalina à língua bífida,
torna a lamber-me as pálpebras e os lábios…
A bulha humana alastra-se. Com moucos
ouvidos, sinto plúmbeo golpe à nuca.
Fátua visão? Há muito sou maluca
para cegos, decrépitos e loucos.
Como diáfano vitral que filtra
as flechas límpidas de Apolo Pítico,
embora estanque como um paralítico,
eu me sinto raptada como biltra.
Tombo. E uma olímpica melancolia
meu coração transpassa, sem obstáculos.
E os versos inefáveis dos oráculos
inflamam a minha alma fria, fria…
Como a ilusão de Páris não se anula,
se eu lhe disse que Helena é sombra anímica?
Fazendo da ignomínia a torpe mímica,
uma deusa cruel o manipula.
Com um nome, eu dera a Páris que seu fado
fora arder a lacedemônia bílis.
E agora ele dispara contra Aquiles
a mesma flecha que o terá matado?
O filho, Pirro, ultriz da Erínia cega,
arranca de Políxena as entranhas.
E ao dividir-lhe as vísceras e as banhas,
oferta a virgem noiva à causa grega.
Quem é o profanador que ora contemplo?
Como incendiário do orbe, ele está prestes
a enlouquecer! Ignora que estas vestes
rasgadas são polutas para o templo.
Em Creta, serei serva como avisto?
Enquanto o rei atrida me sequestra,
já prepara seu banho Clitemnestra,
enredada com seu amante Egisto.
23-11-17
*
3, 2. EM CITERA
A barca quebra a vaga e vibra a quilha.
Golpeando as águas, o amplo remo acoplas
à dupla argola. Ao largo, vê-se a ilha.
E na praia sepultas as manoplas…
Sedento, perscrutando a foz lacustre,
te perdes entre as dunas e os oásis?
E quem sabe o jardim também te frustre:
aos corvos ─ o cultivo de cadáveres.
Lépida, Helena aninha-se no leito.
Agônica ave, embica-se em teu peito.
E adormecido, náufrago do sonho,
despertas desse desvario medonho:
─ E se ela não passasse da agonia
de ser fantasma ou túnica vazia?
09-11-17
*
3, 3. A CIDADE EM CHAMAS
Faz dez anos do rapto. À horrenda
pugna, um cavalo de batalha?
Os corpos, em sangrenta senda,
como os rosais que o vinho orvalha.
Nos banhos, alcovas e catres,
o quanto de lascívia aguardas?
Pra que uma imagem idolatres,
estrangulaste quantos guardas?
Quantos heróis mortos, enquanto
versos eróticos decoras
nas nádegas da loura Helena?
Mas desfeita a nuvem, o encanto
também se esvai. Morrem as horas.
É amargo o mel que te envenena.
18-10-17