Quatro poemas de Anderson Antonangelo
Anderson Antonangelo é paulistano de 1983. É escritor, educador e jornalista. Graduou-se pela Universidade de São Paulo em Jornalismo e em Letras, e atualmente é mestrando em Teoria da Literatura e Literaturas Lusófonas, na Universidade do Minho. Publicou o livro de poesia Fantasmagorias (Gota, 2018) e Ruminações (Chiado, 2020). Foi por quatro vezes finalista do Prêmio OFF-FLIP de Literatura, e uma vez do Festival de Poesia de Lisboa, sempre na categoria poesia, e publicado em todas as ocasiões nas coletâneas oficiais. Foi também publicado em revistas especializadas em Portugal no Brasil, e é cofundador do coletivo poético Sinestéticas.
***
Recomeço
o amor feito às pressas
a morte entre as preces
a estrofe entre traços
que decepam os pulsos
sobre os ombros, cansaço
nos escombros dos ossos
nas memórias, o abraço
que se foi em desapreço
na retina o estilhaço
de um remorso confesso
os impulsos pregressos
esmorecem em fracassos
sob os pés, descompassos
– da canção que entorpece –
redundantes, perecem
como esboço no espaço
*
Prece
todas as preces praticadas
no intrínseco imo enconso
são a cloaca incalculada
e as gordas gotas de borra
de café que entopem os veios
nasais da argila ardilosa
são essas preces os fenômenos
efêmeros dos fêmures das fêmeas
e finas efemérides de frívolas
repetições dos efes e do fofo
farfalho do faquir efervescente
fermentando uma faca felina
a prece é uma paca reluzente
a pusilânime alpaca que dança
no topo do jardim dos garfos
é a retina invertida da pleura
da pipoca apoplética e do tricô
atracado em trevosa tricotomia
a prece é depreciativo flato
carcomido entre fetos e ritos
é o conflito irrefletido na
fimose do anfíbio e a fíbula
fidedigna no anfiteatro com
um alfinete no falo aforístico
é a prece o apogeu dos sentidos
é o cântico dos cânceres cansados
de suas canetas incandescentes é
o candelabro escalavrado em meio
a anacrônica calabaça alavancada
em devaneio de vênus e rabanetes
as preces praticadas nos salvam
da coprofagia dos cotonetes e
da lacuna para as respostas e
das escunas já decompostas pelas
buscas vãs e expostas que jazem
em intrínsecos imos esconsos
*
Em todos os cantos
traçar as palavras
de um novo poema
que pretensiosamente
faz guiar o meu canto
como fosse um tratado;
ilude-me como quisesse
colar só com saliva
um muro quebrado
sorver as palavras
de um novo poema
que insuficientemente
expõe minha vassalagem
aos sentidos, submisso
sou desnudo por inteiro
como fosse meu canto
um embuste postiço
cuspir as palavras
de um novo poema
que impenitentemente
rememora o retorno
de um canto esquecido;
desperta o poeta que não
sabe se o canto entoado
é inefável ou cindido
derramar nas palavras
de um novo poema
o sangue insalubre
como quem faz do verso
um cancro venéreo;
cantar o canto obsceno
– não a lira da musa –
mas o rude impropério
*
Nudez
o gozo em reparar-se
por baixo de cada
casaco e peça de
pano surrada:
estar sempre
nu
a urgência em saber
que por trás desse
rosto e por trás
de minha pele
estou sempre
nu
a premência em asseverar
que no encontrar-se de
todos os matizes com
as trevas e além do
meu próprio corpo
na injunção do
vazio e da
substância
desnudo
despido
estarei
sempre
nu