Quatro poemas de Caetano Romão
Caetano Sousa Romão nasceu em Ribeirão Preto (SP) em 1997. Mudou-se para São Paulo em 2015, cidade que vive desde então. Formou-se em 2018 pela Escola de Música do Estado de São Paulo em Música Popular (Acordeão) e está concluindo sua graduação em Letras pela Universidade de São Paulo. Escreve poesia e se interessa pelas relações entre texto, musicalidades e perfomance.
***
tinha seis anos quando vi o avô enterrar um vira-lata
cavucando de enxada o quintal
e eu custei a entender que quintal era o que não tinha teto
meio-dia era sua pança na altura dos meus olhos
firme como um século
era o peito desabotoado
e os pelos brancos vazados pela camisa branca
eu já devia suspeitar da língua do meu avô
do sotaque enguiçado fazendo menção de pronúncia
é que ele veio de outro lugar
os velhos vêm sempre de outro lugar
ele chorava aliás e eu não pude acompanhá-lo nesse empenho
naquela época não punha compreensão nas coisas:
que é necessário que um velho chore
tão literal ao chão
custei a entender que quintal
– mesmo o avô
o corpo de um cachorro
um buraco cavado
a barriga o sotaque –
custei a entender que quintal era o que não tinha teto
mas agora sei
não isso
nem o que o avô babava
quando tentava me apontar qualquer razão
às vezes trago terra debaixo das unhas:
quando eu morrer
que me enterrem de viés
*
Cabra-cega
murro em ponta de faca, não mais
não vou mais bater cabeça
estraçalhar o queixo no beijo de teodoro
nessas perdi todos meus dentes
que – é verdade –
caiam bem as coisas
que ele me punha na boca
isso é
um homem, parecia, sem caroço
pedaço de cana
teodoro ele
que conhecia meu céu-da-boca
como nem eu
mas já não posso com tanto
o perímetro daquelas coxas
topando com cada parede
cabra-cega meio-dia
hoje não
nessas brincadeiras perdi todos meus dentes
*
Estribo
há um homem que quando senta
me garante que está deitado
parece conformado
com a circunstância de chão
se ele dissesse vou também
mas pode ir indo na frente
ficava:
do jeito que melhor me sei
queixudo orgulhoso
agachado
que nem notasse ele adiantando seus cadarços
quando me confia que está deitado
há um homem que se põe de pé
num canto onde pouco o vejo
convém conhecer seus joelhos
a estatura que eles toleram
se eu mesmo tenho um cangote inteiro
disposto a montaria
há um homem que dispara
quando me insiste que está deitado
convém conhecer
o que ele possui entre os joelhos
o que promete de estadia e pressa entre os meus
correndo tão retrasado a mim
gosto que seja ele
dedos que só me percebam pela gola
uma nuca que importe mais que um rosto
arreado, por um triz
esse homem erguido
mesmo que deitado
*
Aboio
não. não que eu me quisesse pacato
não me queria o torso ferrado
assim descalço, sem vocação.
já tive até sobrenome, se quer saber.
vim foi pra mostrar de como se fez boi a um homem.
porque se for pra ver quem ganha pelo grito, garanto
já sei mugir há tanto tempo.
nem caminhe eu de assim
nas quatro. inclinado da testa. antes que mocho.
pelo menos tomei a decência de dessa vez
não ser cavalo.
pois sim, é homem.
homem gente mesmo.
mas não lhe medirei as unhas, a pelagem na cara,
esse bagaço dos olhos que ele tem
sim couro estreito cor de coisa doída.
vim mais foi pra ter certeza
que a esse sujeito estirado. nos pátios ou nos passeios.
embrenhado no meio cana, interdito entre cidades
que a esse sujeito não lhe deem um nome.
alguém que de mim não me pede nada.
e só pressente o abate na fundura do próprio peso
é boi:
possesso como uma flor.
na voragem mansa
de um homem quando acontece