Quatro poemas de Cris Ventura
Cris Ventura, São Paulo-SP, 1971. Poeta-prosadora, ilustradora de sumiê, palestrante e consultora de Feng Shui. Participa do Curso Livre de Preparação do Escritor na Casa das Rosas-Espaço Haroldo de Campos e do Curso Formativo de Tradutores Literários na Casa Guilherme de Almeida. Tem poemas na antologia Orquídeas Como Cultivar Poemas pela Democracia e no Zine Fluxos. Seus contos foram publicados nas antologias Mário-Casa, Incubadora de Serpentes e Alguma Objeção. Atualmente prepara seu primeiro livro de poemas: Antídoto.
***
Elle
pergunta sem resposta
que em nada acredita
a não ser na aposta
: a mulher partida
foi prevista
*
Lápide
se podes,
desempedra-se
desempedra-me.
se podes,
atrasa sua dor, mãe de pedra
se podes,
deixa eu ser criança de água
se podes,
esculpe o bloco de mármore
até que as formas se separem
desempedra-se
desempedra-me.
*
Olho que tudo vê
Iluminadas
sombras femininas
na areia da praia revelam uma à outra
a escuridão de uma vida inteira
Alheias
em silêncio sombrio
uma encara o sol,
a outra encara o mar
enterram pedras moídas na areia
queimam os pés, molham memórias
sal nos olhos
Na beira do mar
uma brinca em ondas,
lava o rosto com a palma das mãos
a outra, pisa em conchas
seca o rosto com o dorso das mãos
Do guarda-sol a voz conhecida desfaz o torpor:
– Vem ver, vem ver!
A criança aponta a arte distorcida na areia:
um círculo contornado por dois traços ovalados
que se unem
dentro de um grande triângulo
atravessado
por riscos de diferentes tamanhos
como raios
que nascem da íris
e morrem nos cílios
*
Novo endereço para o outono
Recolho lastros
de idiomas esquecidos
no atalho para casa
Fecho a janela e a cortina
resta apenas uma fresta para ver
a lua do dia, o sol da noite
e breves nascimentos de asas
Adormeço movimentos
queimo sálvia no incensário
início do outono
: semente que precisa de adubo
O sol acorda a manhã morna
Retorno leve
Caminhando com as mãos
Respirando com os pés
O ar
que um dia
me fez falta
estava preso
na caixa
de mudança.