Quatro poemas de Gusthavo Gonçalves Roxo
Gusthavo Gonçalves Roxo, nascido no outono de 1996 é Carioca. Escritor pela vida, Museólogo pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, atualmente é Mestrando em Arqueologia no Museu Nacional/UFRJ. Em 2019 publicou de maneira independente seu primeiro livro, Chá de Girassóis.
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Fragmentos para diversos ou um mesmo amor ainda sem nome
I
A gente nunca voltou a biblioteca
Era o combinado
Parece muito mais do que um ano
Agora quase dois
Ainda sim, não parece que foi ontem
que seus olhos se tornaram conforto
levando paz a qualquer caos dividido contigo
como uma biblioteca silenciosa
No aguardo do aprendizado.
II
Se eu fosse ter um carro,
Teria um fusca rosa
Daria carona pra meio mundo
Sem pedir trocado pra gasolina
Tem música que me faz ter esse desejo
Magina só sair a hora que quiser
Atravessar Minas Gerais
Chegar a Bahia só pra ver até onde o carro aguenta
Poderia ir no aterro
Ver o mar sem pisar na areia
Voltar pra casa de madrugada
Sujando o chão do fusca com a eterna erosão do amor.
III
Não sei se sou capaz de gostar de alguém a longo prazo
Digo, gostar eu vou
Até posso amar
Só que sou muito crítico
não sei se há um outro alguém que aguentaria conviver com isso
É coisa difícil de mudar
Olhar e não dizer a qualquer coisa
O que poderia ser, como poderia fazer
De mau humor então
O mundo poderia ser pintado de rosa para me acalmar
Provavelmente eu não tô pronto
Ninguém tá
Não é justo ser experiência de ninguém
Não é certo dizer por dizer
Será que é certo, esperar para amar?
*
Cruzamento
Os pratos vazios desesperam
o churrasco na rua alegra
o povo sem máscara
não tem medo da vida
Que dura sempre mostrou
Que ninguém sabe de seu amanhã
Marmita fria
mãos esfomeadas
Esquinas dos caminhos
cruzamentos do acaso
Sopas que tapam a ausência
Agora que pode ser partilhado
O que a gente tem
pode cair da mão
o hoje é também uma ilusão
a vida muda
a casa se perde
a casa se aluga
Tendo chão
não tendo parede
a fome vem antes da verdade
Tiram os direitos
arrancam as roupas
Impõe outra fé
tiram tudo
menos o que há no peito
Os vivos se desesperam pelo que passa
e os mortos se interessam pelo que fica
O jornal traz o que é eterno
quando de tudo que se é
o ego junto a fé
Se mostra forte perante a dor
Alguns vagam por que não querer aceitar
o que ninguém deveria passar
Você julga, mas também o é
Espelhos não revelam as verdades que não calam.
*
Os peixes que voam buscam o quê?
Nunca vi isso acontecer
Deve ser porque estou com você
é como se sua presença
fosse um outro óculos
Me vejo fazendo trinta a seu lado
Notando os primeiros cabelos brancos
contando a primeira dor na coluna
pedindo carona até o hospital
Quebrei o dedo na quina da mesa
Enquanto você lia o jornal
Devia ter sido avisado
no momento que lhe conheci
Que se fosse adiante
Não haveria volta
“Me assemelho a esperança
Se não quiser amar
fuja como os peixes que voam”
Pena que não sei nada
muito menos voar
não é tarde para aprender
mas para quem já chorou
se acontecer
choro com muito amor
Pois foi bom envelhecer
nessa história que podia se desprender
Do tempo e do agora
Trinta anos podiam passar
Sem a gente nem notar
A beira de se aposentar
Num sofá para três, nós dois
Jogados rindo do verão
com um copo de vinho transbordando
dançando entre nossas mãos
os peixes bem que podiam voar entre as estrelas
Enquanto a gente olha a chuva de cometas
Se amando, como se ama à própria eternidade.
*
3/3
Ai se soubesse do futuro
Teria me entregado sem dúvidas
Parado de reclamar
Me jogado na lama
Teria bebido até perder o chão
Ai se soubesse do futuro
Não teria me apegado a insegurança
Me importado com a hora do almoço
Com o cheiro do meu suvaco
Ou com a hora de dormir
Ai se imaginasse esse outubro
Cinco reais virariam oitenta
Uma manhã se tornaria três dias
Que saudade da Loucura
Da sarjeta suja da rua
Do vinho barato do extra
Da conversa de tarde calma na José Higino
Se soubesse que viveria tantos fins
Teria me despedido vestido de Fernanda Pessoa.