Quatro poemas de Herácliton Caleb
Herácliton Caleb é natural de São Paulo e começou a escrever quando se apaixonou pela primeira vez, aos 17 anos; a princípio escrevia poemas pueris de amor – o que o levou ao teatro com a promessa de ser um dramaturgo. No teatro, enveredou pelo caminho da atuação e passou por diversas escolas até se encontrar como escritor. No mundo da literatura se apaixonou pela crônica – o seu maior exercício -, sem deixar de lado seu fascínio pelo conto, poesia e romance.
***
Eu vejo a baleia sobrevoar o seu sono
enquanto você se agita em aflições
a cada salto da baleia
ondas te acalmam
balançando seu corpo
como se balançassem um berço.
*
Te conheci quando levei um tiro e você me viu no jornal
Você era a repórter que precisava de uma matéria
Eu era o baleado que provocava interesse
Conversamos enquanto o sangue estancava
Depois, te conheci naquele bar em Alto Paraíso que vendia ovos de codorna
Você era a turista que aguardava no balcão
Eu era o próprio balcão, petrificado com a sua presença
Você se apoiou em mim
Te conheci quando fiquei preso na Alfândega
Você era o Contêiner cheio de bijuterias
Eu era a mercadoria que vinha de Hong Kong
Te conheci quando peguei malária naquele país impronunciável
Você era a ajuda humanitária que chegava de helicóptero
Eu, aquele turista que se esqueceu de passar repelente
Te conheci quando acertei os números da loteria
E fui buscar o prêmio com uma máscara de Zorro
Eu, recém-milionário, você, quem me vendeu o bilhete
Te conheci na biblioteca da Universidade de São Paulo
No momento que você devolveu o livro que eu queria
Eu, palavras grifadas, você, um marcador fluorescente
Te conheci hoje quando tomamos café da manhã em Bangladesh
E ontem quando fomos ao Teatro de Arte de Moscou
E amanhã te conhecerei pela primeira vez
E assim será até que eu possa me lembrar.
*
Hoje uma ilha decidiu eliminar o tempo
E os relógios foram postos na ponte
para que nenhuma hora mais atrapalhe
o seu sono desregulado
assim você sonhará durante o dia
e comprará pão às quatro horas da manhã
e nadará na cachoeira às cinco horas
e pescará às seis horas
o peixe do jantar
que, aliás, será às quinze horas
e depois nos encontraremos às vinte e três horas no meio da praia
e ninguém chegará atrasado
praia que durante meses não fará sombra
e os sonhos serão libertos dos travesseiros notívagos
e você vai me contar como se tudo fosse normal
que está levando o cachorro para passear
no mesmo horário do jornal da noite
mas o jornal terá que mudar de nome
o da tarde
e o da manhã
e não haverá mais jornais para te irritar
por que não haverá mais incidentes
de pessoas apressadas
e não saberemos o quanto se passou
sim, apenas pelas curvas do seu rosto
e pelos estralos do meu joelho
mesmo assim teremos disposição
outra e outra e outra vez
e não cansaremos de tentar nos encontrar
e você vai dizer que sonhou mais cedo
e vai realizar mais tarde
e tudo vai se misturar
igual os nossos corpos
em uma cama
e eu vou dizer
no seu ouvido
que tudo será presente.
*
Isca
Do centro de minhas mãos
saem duas chamas
tudo que tento pegar
eu incendeio
bem lá no centro
do osso do meio
uma pungente faísca
olho para você
duvidando
sua firme pausa
me rabisca.