Quatro poemas de Isaac Ramos
Isaac Ramos é poeta, crítico e professor universitário de Literaturas de Língua Portuguesa (UNEMAT). Mestre e Doutor pela USP. Professor do PPGEL (Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários) da UNEMAT. Publicou capítulos de livros, artigos, resenhas, poemas em revistas de circulação nacional. Últimos livros publicados: crítica literária: A metáfora do olhar: Alberto Caeiro e Manoel de Barros (2018 – lançamento em abril de 2019); poemas: Teias e teares (2014). Membro da ALB (Academia de Letras do Brasil) Amazonas e da ABEPPA (Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan Amazônicos). E-mail isaacramos3@yahoo.com.br .
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BRICOLAGENS
Acordo tarde, não tão tarde para a poesia.
Espreguiço-me, estico os braços, pego o celular
E, antes de escovar os dentes, fico online.
Fofocas não me atraem, mas em relatos de vida eu viajo.
Os olhos percebem e marejam ao sinal de poesia.
É um grupo dos Anos 80 que, em tempos de militância estudantil,
Fazia revoluções por minuto. Hoje, quase todos são doutores.
Há jornalistas, advogados, médicos, sobretudo professores.
A maioria, mulheres, professores universitários por (ou sem) opção.
O sentimento de mudança ainda pulsa em cada um,
Em cada um dos corações vermelhos de resistência.
Entretido com as notícias e bricolagens,
O grupo vai tecendo teias de existência.
Há uma quase avó com um sorriso de enxoval.
Há outras que gostariam de preparar esse sorriso,
Enquanto isso tecem o amanhecer profissional de seus filhos.
No curso de suas vidas, venceram os medos,
Conviveram com alegrias e tristezas,
Mas não tombaram com a utopia de seus discursos.
Passo os olhos por fotografias de um artista turco
Que mostra, deliberadamente, universos contraditórios.
Contemplo, extasiado, a bricolagem do silêncio:
Na passarela, a moda amalgamada a retirantes sírios;
Entre ruínas, um pai dá banho em uma criança,
Repartido com uma banheira branca de um quarto de hotel;
Um soldado chuta um manifestante; um jogador se movimenta com a bola;
Um urubu sonda o terreno, em busca de restos,
Amalgamada a cena da criança síria estendida na areia.
O turco Ugur Gallen nos faz pensar nos extremos.
Outro dia o assunto era o carinho com os pets.
Com direito a fotografias e filosofia.
Hoje começou com os filhos, seus sonhos (ou a falta de),
Passou à preocupação com a situação da Venezuela
E depois com o deputado que deixou o Brasil por falta de segurança.
Rapidamente, lágrimas de resistência tornam-se pingos de chuva.
Doem tanto que formam imensidões, em barragens psicológicas.
Estas não matam e são enfrentadas pelo grupo.
Nesse grupo ninguém solta a mão.
Apenas a amizade, a luta e a poesia é que ficam soltas.
24-01-2019
Manaus-AM
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A LIÇÃO DO SEIO
Mulher,
A lírica sagra teu seio
Sejas tu índia, estudante
Advogada ou professora
Tua luta e teu labor
Vencem forças opressoras
Tua luz – arco-íris entre flores –
Teu sangue – lição de vida e amor –
A dor que sagra teu parto
É a mesma com ardor
Que em folhas debuxa
Um filho do teu corpo.
Mulher,
Nos teus braços
Histórias vivas
São geradas
Na dor lida
Um dom de teu melhor
Um tom de poesia
A lírica sangra
Em condições adversas
Por isso o poeta
Enxerga longe
E bate asas
Que carrega sonhos
De mulheres feito Iara e Madalena
Por que não
Ruth ou Helena
Maria, Beatriz e outras pequenas
Que alimentam
Que amamentam
Que vivem a poesia
De cada dia
E esperam um dia
Serem escritas.
Enfim
O poeta sacraliza em versos
Tuas lutas, não teus dilemas
Em teus seios, oh teus amores!
Tão somente, tão semente
Nenhum mal lhe intervenha
Do leite tirado
Fica a lição do seio
E a poesia que antes jazia
Subitamente
Do teu corpo recria.
08-03-2017 – Manaus
Dia Internacional da Mulher
*
DIVINO OU DE VINO
Encho a taça
E me embebo
Tua face
Tua classe
Lábios tintos
Me rugem
Em algum
Ponto la France.
Divino espanto
De letras
Labirinto de vino
Não sei em que Porto
Me encontro
Alguns goles
E me embebo
Em teu corpo
Seus níveis de tanino
E sua complexidade
Me aperitivam
Em abraços
E queijos.
Teu sabor encorpado
Nenhum Châteaneuf-du-Pape
Com suas 13 castas
Me deixariam menos casto.
Pudesse te encontrar
Na Borgonha
Sem nenhuma
Vergonha
Te verteria
Em doses tintas.
Extinto não é meu desejo
Por Cabernet Sauvignon
Teu gosto que permanece
Na boca
Conduz-me ao gozo
Em várias regiões
Eu me viro
Para te ver no Chile
Mas, se preciso for,
Eu me assanho
Em versos
Até Toscana
Ou Bordeaux.
Não pode faltar
Em nossas combinações
Os Merlot
Eles se misturam
Como nossos sorrisos
E por encanto
Leve embriaguez.
Chego ao Cinema Noir
(Pura rima à toa)
Talvez porque me lembre
De tua essência
Pinot Noir.
Oras, uvas que me deixam
Em flagrante delírio
Com o gosto de teu beijo.
– Estou todo Borgonha por você! –.
Queria falar da Shiraz…
Por favor, não se vá!
Do Oriente Próximo
Os romanos a trouxeram
E as levaram para o vale de Rhône.
Pudera eu cultivar tua presença
Ser regular e resistente
À saudade que me atormenta
Intempéries…
Não mais, não mais!
Malbec!…
Adulto precoce
Que de leve traz
Teu buquê
Com baixa acidez.
Árido é o deserto
Em que me encontro
Macbeth…
– Mosto que é uva –
Não vislumbro
Nenhuma tragédia.
És popular
Não Marly Monroe
Talvez Evita Perón.
Os argentinos me fazem bem.
Relembro
Almodóvar…
Quem sabe porque
A Tempranillo
Seja forte na Espanha.
Tua cor
Tua capacidade de envelhecer…
Nem tão temperamental assim.
Ah, tudo isso me bastaria!
As horas passam
E esse vinho tinto
Que me deixa tonto…
Será que me esqueci
De alguma coisa?
Ah, sim. Uma garrafa
De Romanée-Conti
Que deixei na geladeira.
Se não a encontrar
Beberei o poema
Que fiz para ti.
09-04-2016
Alto Araguaia – MT
*
(A) MELODIA MORREU (A Luiz Melodia)
Sou Poeta do morro
Sou Pérola Negra,
Perdi minha Juventude Transviada
Agora Só Vale quanto pesa
Minha rainha,
Quase fui lhe procurar
Pois Sofro dores de amores
Sou Cheio de graça
Sou Muito romântico~
Não tenho Bola de Cristal
Mas é preciso
Começar pelo recomeço
Por isso cantei Manoel de Barros
Em Retrato de artista quando coisa
E sou Codinome Beija Flor
Com muito amor e carinho
Mas também sou Cruel
Sou Ébano
Sou Congênito
Sou Rosa
Sou Abundantemente morte
Apesar dos Contrastes
Na minha Magrelinha
Encontrei minha Dama ideal
Por isso “ninguém morreu”
Vivi para a música
Fui Negro gato de arrepiar
Isso O sangue não nega
“Se alguém quer matar-me de amor
Que me mate no Estácio”…
Eu agora sou feliz!
(04 de agosto de 2017 – In memorian)
Alto Araguaia – MT