Quatro poemas de Jacqueline Òbá
Jacqueline Òbá é mulher de axé e possui graduação em Letras Clássicas pela UFRJ e Mediação Escolar e Comunitária pela UFF. É pesquisadora da Literatura de Paulina Chiziane e da Literatura Afro-Brasileira de autoria feminina, professora da Ed. Infantil na SME de Cabo Frio, escritora com coautoria nas antologias [sobre]viver, Resistir e Lutar, do coletivo ALEPA (texto que rendeu o 1º lugar na categoria contos em 2018); Vértice: escritas negras, Ed. Malê (2019) e Antologia Brasileira de Prosa e Poesia, Ed. Sol Além Mar (2017). Atualmente cursa Pedagogia na Universidade do Norte Paraná (UNOPAR) e coordena o Pré-vestibular Social Adelaide Barbosa.
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BORRÕES
Os meus versos não possuem borrões
Dispenso a tinta, o papel
E o lápis que muito registraram
As profundezas efêmeras
do meu coração.
Os meus versos não possuem borrões
Ao invés de tinta,
Utilizo o eco,
A voz que marca, fica e dramatiza os sentidos.
Os meus versos não possuem borrões
No lugar do papel, microfones
Abertos adereçam o corpo solo de mulher
Os meus versos não possuem borrões
Descartei o lápis, entoei o timbre
Enegrecendo ao máximo
A poética das criações.
*
DORMIR CINZAS, ACORDAR FÊNIX
Dei a partida no infinitivo. Há muitos modos, tempos e vozes para conjugar o ato de dormir e o ato de acordar. Nenhum deles disse que seria fácil abrir os olhos e voar. O recomeço é uma desinência que não cabe na gramática. Já, a semântica é velha conhecida do antigo Chico. A palavra, além de matéria prima, é polissemia no renascer de marés cheias e marés que vazam. O pleonasmo nunca foi um erro honesto tão acertado em épocas de deseducação. Da redundância, quero apenas a circunferência da famosa letra de mãozinha dada porque transformar-se em Fênix é para os fortes. É estado e ação nas reticências da vida. Sem pausa, nem pontos!
Rio de janeiro, 31 de maio de 2019.
*
…apenas uma poesia
Os olhos dela eram negros
Kumani escondia mistérios submersos em seu olhar
Enchentes salgadas inundavam seu corpo
Desaguando resiliências e esperanças
Aprendidas com o mar.
Ao meio-dia
santos sinos
Anunciam
a
partida
Era um longo caminho
Sem volta!
A cada tilintar dos sinos
A vista ficava para trás
Um tempo-espaço
Congelados
Pela química-ação da natureza.
Os sinos serravam
Revelando o espetáculo
Caleidoscópio de cores!
Kumani despertou!
Ninguém mais havia encontrado
Uma usina de sonhos.
Da descoberta do acaso
O pote de ouro tão desejado
Era um âmago de luz
A saber:
Nem os saberes do mar
Alcançam o Arco-Íris.
*