Quatro poemas de Jessica Stori
Jessica Stori nasceu e vive em Curitiba. É escritora e historiadora. Atualmente desenvolve sua pesquisa de doutorado em História na Universidade Federal do Paraná. Suas áreas de pesquisa são a crítica literária feminista, os estudos de memória e autobiografias. Em 2020 lançou seu livro de estreia, Carne e Colapso, editado pela Urutau. Integra a Membrana Literária, coletivo que reúne artistas de diferentes áreas para leitura, crítica e escrita, em 2019, lançaram Corja!, publicação coletiva e independente.
***
i.
já não se pode
ver uma mulher fraca
e doente é preciso
lembrá-la do seu joelho
em pé a vida ainda
por fazer não pode
colher o registro de
quem chora e dói
a mulher que se diminui
vai ficando pequena é
uma bolinha de gude
coabitada por bichinhos
queima em remorso já
não fica na pele
a mulher fraca ou muda
ou esquece
ii.
uma mulher doente anda
no meio da rua chama
de fome e de fraqueza
não engole
pela voz do são
sagrado deus demais
uma mulher doente arde
se agita no meio-fio
quer ser uma lombada
conversa com o bueiro vê
se tem espaço para
uma fraca menor
*
outra noite eu tive um sonho eu
tava sentada na rua O Brasil para Cristo
no boqueirão com uma caneta e um papel prontos
dizendo para mim mesma “descreva a
carne enrugada daquela calçada
os piquetes da greve dos correios
falta fúria ali na rua dos tecidos
a porta onde Luiz, você e
Gabriel passaram e não pare
de pensar nas palavras quando você parar
não pare de pensar nas palavras
e deixe sua cabeça estourar
o que sobrar é teu
é você”
*
fim da língua
posso imaginar pelo céu da boca
ler com a própria língua ensandecida por história
ela só quer casa
sua boca
dá pra pensar com céu e entender com língua
ela pode fritar ali dentro
se bater contra os dentes quando não gostar do final
mas isso não muda
a língua é o que se conhece por prisão
consagra o corpo isso é verdade
extrema-unção da incapacidade de fugir
quer se livrar e tocar outro céu
imaginar outra coisa que não isso
mas a língua é o que eu tenho de definitivo
às vezes eu só queria saber como acaba
*
toda água do olho é choro?
é que hoje não me entendo escritora
sem ter voz com olhos e ouvidos pouco atentos
números que me olham e algum tempo pra contar
eu sei que deveria ser um poema bacana e
exagerado
é o propósito
eu quase escuto o patrão
mas eu só consigo pensar em dinheiro
me desculpe a futilidade
eu prometi escrever enquanto ele servia copos com paixão dentro
eu só me pergunto sobre a bola do olho
e quando ela secar?
não quero parecer estar falando de lágrima
de repente eu me deparei com o olho seco
seria difícil fechar e abrir né?
tudo depende
eu não sei te dizer se estarei dormindo
eu não sei por que me pergunto sobre isso
eu entendo quando se fala em angústia
mas isso é um pouco demais e ainda assim inevitável
o dinheiro é a ausência
eu preferia escrever preenchida