Quatro poemas de Jorge Miranda
Jorge Miranda (Belo Horizonte, 1987) é mestrando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada, com pesquisa sobre Marcos Siscar e a crise da poesia brasileira contemporânea. Em 2018, publicou seu primeiro livro de poemas, chamado Antidicção, pela Cas’a Edições. O poema “Antidicção” integra esse livro. Os poemas “Se tu, filisteu”, “O poeta” e “O mapa” são inéditos.
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Se tu, filisteu
Se tu, filisteu
invadir a minha cidade
antes me conte o seu nome
e o nome de sua mãe
e o nome da mãe de sua mãe.
Conte-me o nome de seus filhos
que cantiga você entoa
para que seus filhos durmam bem
e sonhem o invisível da infância.
Conte-me de onde vem a poeira
acumulada em suas sandálias
que outras bandas foram invadidas
pela fúria do seu corpo
que bandeiras foram domadas
pelo sangue da história da sua gente.
Se tu, filisteu
invadir a minha casa
antes me conte o nome
do deus que você serve
em nome de quem você mata.
Conte-me como se deve orar a ele
que milagres ele faz
quais pecados o aborrecem
como e quantas vezes ele perdoa os pecadores.
Conte-me por qual lado da espada
seus guerreiros fazem justiça
que honrarias recebem
os heróis corajosos
como são enterrados
os vencidos em combate
quem escreve a poesia
que os imortaliza.
*
O poeta
O poeta volta para casa
e traz consigo dois cacaus
colhidos no tempo errado.
Nascidos de ponta cabeça,
os dois cacaus são bonitos
mas inúteis a quem nada
sabe fazer à base de cacaus.
O poeta carrega os cacaus
abraçando-os como a
dois filhos muito queridos.
O poeta não sabe nenhuma
receita à base de cacaus.
Ao chegar em casa, o poeta
não irá cortá-los nem fervê-los.
O poeta colocará os dois cacaus
sobre a mesa e, por bastante tempo,
se contentará em apenas olhá-los.
Para o poeta, algo da ordem
do Absoluto e do Imanifesto
está bem prestes a acontecer.
O poeta possui uma casa.
Nessa casa, há uma mesa e,
sobre ela, estão dois cacaus.
O poeta está vivo.
Nada de muito espantoso acontece.
*
O mapa
O mapa do oceano, de Lewis Carroll,
é, na verdade, o mapa do nada.
Todavia,
lá estão as indicações
de norte, sul, leste, oeste
latitudes, longitudes
meridianos, equinócios
zênite, nadir
e um equador.
O que comprova
que até o vazio
precisa de coordenadas
(tanto quanto
a Iugoslávia
precisa de seus
príncipes –
ainda que
não exista mais
sequer
uma
Iugoslávia).
*
Antidicção
Em que cortina
costurei a minha
dicção. Em qual
ferida devo colher
a salvação dos pés
e das retinas.
Ele, o sorriso subterrâneo,
espera dizer até as
próprias cisões sem
colidir com as alquimias de dedos-portas,
peitos-dardos
e
artérias-relógios.
A poesia é a religião natural dos homens.
Espelho editado na renda
da renga desfiada, a que
me veste da anônima nudez
de ser um risco.
No que me é possível
dizer, digo: Oráculo do Contudo,
dai-me a fé no
incerto.