Quatro poemas de Layla Loli
Layla Loli (1998) é poeta, dramaturga, multiartista cênica, autora do poemário A história do gozo e outros canibalismos (2019, Mocho edições) e idealizadora do Projeto Dramáticas (2018). Estudou História da Arte pela UNIFESP, Cenografia, Figurino e Dramaturgia pela Escola de Teatro São Paulo. Vive na capital paulista dedicando-se a territorialização clandestina da arte.
Site: https://ilolalyal.wixsite.com/poesia
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FESTA
Damas da noite transcendentais
que noite fria
que riqueza de detalhes
o batom vermelho folheando os lábios das meninas que queremos beijar
nossos pés gelados tantos pés somos tantos corpos
suando frio pontas de cigarros pontas de dedos inquietos procurando
buracos úmidos quentes macios
da varanda me masturbo assistindo você fumar cercada por
rapazes tagarelas dentro de seus corpos fortes altos sempre maiores que eu
meu tesão sapateia como louco
quero chupar cada um dos dedos de cada uma das meninas os homens
se inclinam pra falar comigo acendem meu cigarro oferecem casacos xexelentos
sinto cheiro de queimado
tarde da noite na cozinha comeram o cu
daquela menina ela gozou tanto mas tanto mas tanto
saiu de lá sorrindo esbarrou em mim brilhando e correu correu e correu
tropeçou nos próprios dentes
que riqueza de detalhes
um chiado estridente água e
avanço sobre o silêncio estarrecido dos homens enxergo
sobre o silêncio estarrecido dos homens:
nin.fe.ta
também aborta?
*
PANELA
Não é assim que a sorte funciona
não é mesmo?
nós não morremos eletrocutados no chuveiro
não tropeçamos em escadarias de emergência usamos
cinto de segurança camisinha fio dental
vamos ao ginecologista (?)
nós não vemos a morte levar o amor da nossa vida enquanto somos jovens
não atravessamos o frenesi de enterrar um filho
[e dizem que só quem já perdeu um filho lambeu os lábios do suplício e olhou
para o abismo e] o
tempo foi suspenso no
espaço foi suspenso no
tempo
os dias não tinham fim nem começo
era uma terra fantástica os adereços os tecidos pendurados em varas a três metros de
altura dos meus pés apontando com as solas doloridas para o teto
o corpo forte desenhado o corpo minuciosamente marcado dos atores
em cena
todos são bonitos a luz dourada brinca com a sorte e sabemos
como ela funciona
nós não adoecemos em camas de hospitais então
fumamos cheios de coragem jamais seremos como nossos
pais
não o coro não o casal formado pelo papai e pela mamãe
macho fêmea
antepassados, ancestrais
não!
jamais seremos como nossos
pais macho homem falo que gerou um ou mais filhos:
genitor, progenitor não!
não é assim que a sorte funciona não
engravidamos na adolescência
não nos matamos antes dos trinta não
enfiamos a cabeça no forno e degustamos cada centímetro cúbico do cheiro ocre do
gás não nós sabemos
não é assim que
a sorte funciona?
*
ESMEGMA
Os homens não nos querem
como não querem o centeio ou a terra
os homens não querem novos poemas para novos tempos
novos afetos novos medos novas mentiras
os homens querem se recolher para lamber os seus
falos e feridas
os homens querem as velhas guerras
o velho sexo e as velhas primazias.
*
FOME
A raiz dos cabelos ralos tem o cheiro do suor macerado no nosso sexo
os ombros em festa fazem do diabo um velho amigo e
as costas rociadas pelo sol me sussurram a fome penso que
merecem um poema
este
escrito em noite quente no quintal com
a buceta ainda úmida abrigando nossos sumos
seguro um aborto no dorso do nariz e
vigio:
me queira no abjeto
obediência encardida teatrinho
de garagem amorzinho
de uma noite só
a cadela do fascismo abana o meio rabo lambendo nossos
dedos frutas
ceninha de boate
os versos cotidianos:
assustam
quero ir embora dos meus desejos
cortar os cabelos e
jogar no mar.